quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Conto de folhetim: Fim - Aos pés de Ela, mais uma vez

De manhã, Jonas acordou já com sol forte entrando pela janela. Fazia um calor de incomodar, abafado. Olhou o relógio ao lado da cama e viu marcando 9:47. Demorou a perceber a situação, a cabeça doia um bocado e tinha sede, muita sede... a boca chegava a amarrar de tão seca. Ela, toda encolhida e enrolada nos lençois, ainda dormia profundamente. Jonas levantou da cama sem muito cuidado, fez o que precisava, bebeu toda a água que encontrou e de repente se viu parado, de pé, observando Ela dormindo. Era linda, de fato. Mas não sabia ao certo, havia algo de errado naquilo tudo. De repente onde estava aquele encanto, aquela vontade de sair dali com Ela para ganhar o mundo? Era como se o feitiço tivesse perdido seu efeito. Jonas sentia-se mal, não a desejava mais. Certamente era o seu mal do infinito agindo. Ah, aquele tal doutor! Que verdade, Deus! Que verdade!
No entanto não sentia a coragem para falar a Ela que não a queria mais, e tampouco tinha as bolas para sair dali antes de Ela acordar. Ficou e Ela acordou dali a uma meia-hora, tempo suficiente para Jonas preparar um café e umas torradas. Nitidamente Jonas estava incomodado, essa é uma daquelas situações que não se consegue disfarçar; ele se entregava apenas com sua cara.
Ela, cheia de carinho e empolgação, perguntou se Jonas havia dormido bem. Ele consentiu com a cabeça, mastigando seu pão e dando um gole do café, para quem sabe ver se achava um pouco de coragem dentro da xícara. Talvez até tenha achado, pois engoliu tudo - o pão, o café e tudo mais que o incomodava -, olhou um pouco para baixo e disse sem muito rodeio - Eu já vou embora. Quero agradecer muito por tudo... - Mas, como assim? Daí a gente se encontra depois? É isso? - interrompeu Ela ainda de forma ingênua.
Jonas explicou meio sem jeito que não fazia realmente questão de ver Ela novamente, claro que não com essas palavras. Ele tentou dizer que não a queria mais de uma maneira que doesse menos, se é que isto é possível. Ela parecia não querer entender de jeito algum. E os planos, as viagens, os dois filhos que iriam ter, a casa que iriam construir?! O que era tudo aquilo, o que significava aquilo tudo?! Toda aquela noite de carinhos?!
Ela surtou em desespero. Jonas teria sido finalmente um homem que valeria a pena, por quem ela abandonaria tudo, e ele não passou de mais uma decepção, de um merda! E ele se sentia assim mesmo, um puta derrotado. Fazer uma mulher linda como Ela sofrer não é coisa digna de homem que se preze.
Sem saber como, Jonas tentava acalmá-la, dizia que nada daquilo que eles viveram era mentira, apenas não era mais uma verdade. Foi pura verdade no momento em que ele desejou Ela, e foi mesmo. Mas vai explicar essas coisas! Quanto mais Jonas tentava se explicar, mais Ela se enfezava. A mulher estava roxa de nervosa, os olhos se seguravam para não soltar nenhuma lágrima, e não soltou nenhuma mesmo. Não daria isso a ele, não daria mais nada a ele.
Sem paciência Jonas resolveu ir, não aguentava mais aquele papo de mulher magoada. Aquilo logo passaria e Ela se esqueceria. Seria apenas mais uma dor.
Pegou sua jaqueta e foi em direção à porta. Deu as costas à Ela; não olhá-la mais foi a melhor idéia que conseguiu ter. Erro. Uns dois ou três passos, virou a chave da porta e quando deitou a mão na maçaneta, pumba! Um! Um golpe certeiro! A faca entrou com toda a mágoa de Ela nas costas de Jonas. Dois! Três! Sem dó, Ela sacou a faca encravada na carne e enfiou de novo e de novo. Ele, meio que de uma forma lenta, percebeu a carne queimando, pôde sentir a faca rasgando repetidamente a sua carne. Foi sangue pra tudo que é lado, na parede, na porta e muito, muito mesmo escorrendo de seus novos buracos.
Assustado, abismado, descrente de tudo, agora sem qualquer espera-nça, Jonas conseguiu com dificuldade olhar Ela nos olhos por cima do ombro direito. Ela tinha sangue na cara, já havia soltado a faca ensanguentada no chão. Dos olhos de Ela, apenas uma lágrima, deu a Jonas apenas uma lágrima.
- Que merda! Não era pra tudo acabar assim...- foi a única coisa que Jonas conseguiu pensar antes de apagar e desabar no chão aos pés de Ela, agora literalmente.


Conto de folhetim: Parte IV - Aos pés de Ela ou Pa-ra-le-le-pí-pe-do

Os dois conversaram por um bom tempo, Ela não demorou a aceitar uma pinga para acompanhá-lo e ambos curtiram fascinados a descoberta um do outro. O simples fato de estarem lado a lado já era algo demais. Inexplicavelmente sentiam que juntos poderiam muito mais do que em suas míseras condições individuais. Fizeram planos, queriam conhecer o mundo juntos, e dali de dentro do bar passaram pela Índia, deram um pulo nas praias da Thailândia, voaram até as pequenas ilhas do Pacífico, jantaram em Nova York, tomaram um café em Paris, leram os jornais em Buenos Aires, assistiram a um concerto em Viena e, mais uma vez, entornaram uma bela pinga de Conceição de Ibitipoca naquele bar que era o mundo.
Finalmente saíram dali. E Ela disse de uma forma doce, acariciando o rosto de Jonas - Vou te levar para casa. Jonas sentiu-se incrivelmente confortável, e apenas suspirou num momento de alívio. Como era forte aquela frase para quem há muito não sabia onde era sua casa, aquele lugar para onde se quer voltar. Era o que precisava para ficar aos pés de Ela.


Andaram umas poucas quadras nas ruas de paralelepípedo e chegaram em casa. Não era propriamente uma casa, apenas uma idícula que Ela alugava nos fundos da casa de uma viúva. Pequena, não mais que sala, quarto e uma humilde cozinha, mas tudo arrumado com bastante charme. Acolhedora, esta é a palavra, principalmente com o sol de fim de tarde que iluminava as cortinas.
Ela preparou um café, colocou uma música para tocar e até ensaiou soltar a voz junto com as letras da música - "Sim, eu estou tão cansada, mas não pra dizer que eu estou indo embora, talvez eu volte (...) Eu não preciso de muito de dinheiro, graças a Deus! E não me importa, e não me importa a minha honey baby!" Jonas sorria, apenas ficou observando, apreciando.
Beijaram-se. E daí a tarde virou noite, que depois mais tarde morreu, e só para então por fim o dia nascer.

domingo, 11 de dezembro de 2005

do mistério e do mistério (astro-reflexão da cegueira)

vinha a lua fazendo as nuvens aparecerem enquanto desaparecia, ao menos elas. as estrelas, elas se sentiam tímidas àquela hora de pouco escuridão, ao menos elas. a lua não estava cheia, nem as nuvens carregadas, nem as estrelas abundantes, ao menos elas, repeti. só podia vê-las, meu olho estava ali e dali não poderia se desprender. elas. preso ao chão não pôde se distrair do mistério que é o céu da noite, que já não lhe era mistério dos maiores, porquanto estivesse assentado sobre outros mistérios mais fortes. se os olhos não tinham a liberdade que lhes fora dada, mas que não necessariamente lhes era necessária, disso ao menos o resto não padecia, desconhecedor que era, envolvido que era. via a lua fazendo par com as estrelas, sentia as formas das nuvens e suas sombras, mas não enxergava nada do que lhe fazia as sombras e as penumbras e a luz nas quais buscava referência. enquanto desejava o desconhecido que lhe alimentava, brilhava-lhe o mistério das coisas. sabia dos pássaros, dos ventos e das chuvas, sabia. mas mal sabia do que lhe abraçava e movia-lhe as intenções. nem ao menos elas.

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

da felicidade e da tristeza (caminho-reflexão dos mendigos)

caminhou. sentiu o trem passando-lhe pelos pés, que o sapato não lhe servia muito bem. caminhou. ia-lhe arrastando a barra da calça no chão, que não lhe atinava a altura que tinha diante de deus. caminhou. as mangas da camisa ultrapassavam-lhe os cotovelos e a gola apertava-lhe o pescoço, que o ar não lhe servia muito bem e não lhe havia alcance no mundo. caminhou. olhou para o sol pela fresta sobrando-lhe nos óculos, que não lhe era perceptível a inconveniência que lhe era atribuída pela sociedade. caminhou. foi feliz com o corpo que não lhe pertencia, fechou os olhos creditando-lhe a verdade do caminho e o desrespeito às outras verdades.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Conto de Folhetim: Parte III - Ela

Jonas, sentado ao balcão, estava à parte do mundo imerso em seus pensamentos. Chamou logo 2 pingas, já que Ibitipoca é de região de alambiques tradicionais - como se isso fosse lá a razão de Jonas beber. Se pudesse, pediria álcool puro mesmo.
Ele se sentia esquisito; não estava nem tão deprimido para sentir tristeza e nem alto o suficiente para ficar alegre, e somado a isso o estranhamento constante de estar numa cidade desconhecida. Não era de todo mal, ao menos sentia uma certa libertação, um desprendimento raro.
Foi assim até a 3ª ou 4ª dose, foi quando Ela apareceu. Ah, Ela... quem não cairia por Ela? Eu mesmo não me aguentaria. Jonas, então... ele simplesmente se derreteu por aqueles olhos amendoados, os cabelos longos, castanhos e levemente cacheados, o rosto bem desenhado e uma boca, ah! que boca. Jonas ficou literalmente encantado, teve vontade de ficar com Ela infinitamente enquanto durasse, por mais comum que aquilo soasse. - Que mulher... - pensou ele. Aquele corpo, então, mal se pode dizer. Quase uma obscenidade descrever aquelas curvas cheias de charme.
Ele realmente não conseguia disfarçar que olhava apenas para Ela, somente para Ela, que devia até estar constrangida. O mais surpreendente, e talvez apavorador, é que Ela, sem medo, começou a vir na direção de Jonas, como se fosse falar-lhe alguma coisa descompromissada. Jonas desviou o olhar; agora ele é quem estava constrangido. Em seguida olhou para confirmar se Ela continava a vir, desviou o olhar mais uma vez, mas não evitou que Ela, chegando a ele, dissesse docemente - Moço, se você precisar de ajuda para ir embora, ajudo... eu estava olhando dali e bem vejo que você não vai conseguir achar o seu rumo. O moço tem cara de bom coração, se precisar eu estou aqui.
Jonas demorou a responder. E não era efeito da bebida, eram borboletas no estômago. A atitude, a doçura das palavras e da intenção, deixaram-no sem reação. - Eu aqui perdido na vida e Ela, angelical, dizendo que vai me ajudar a encontrar meu caminho... Deus! - pensou de imediato. Ele sorriu, disse que estava bem de verdade. Começaram a conversar, falar apenas coisas sem importância, coisas que pessoas que não se conhecem falam. Nessa hora as palavras não diziam muito, eles se comunicavam era mesmo com os olhos. Ela, com os olhos, perguntava o que ele queria. Ele, também com os olhos, dizia que a queria.
Jonas lembrou do tal doutor que há pouco havia lhe falado para desejar menos. Mas como não desejar? Como lidar com o que há de mais belo?
E Ela, ali, bem a sua frente; linda.