segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Tempo

Vento,
Ajude a navegar o tempo,
Já que a vida que me conduz,
Só caminha em desalento.

Sim,
Conduza a barca em triste fim,
Entregue de vez essa luz,
Imensurável contratempo.

A vida em cena

Estranho seria
se menino e menina
não dividissem o mesmo palco
até porque vãos e frestas um do outro
identificam o mesmo labirinto,
e na certeza das pegadas
rastros que levam ao mesmo destino.

No fim das contas
daquela janela poderiam vir muitas coisas
mas uma única era que se via
compondo a mesma cena
menino e menina
entre as árvores do pomar,
aproximando cor e fantasia.

Mais estranho ainda
seria ter como palco
o palco da vida.
Da vida de um e da vida de outro
buscando sem cessar
a mesma fresta do labirinto
e enxergando ao fundo, somente o descaminho.

E agora aquela cor
insiste em desbotar
e o menino e a menina
ainda com dor
não podem abandonar a cena
é o bendito destino
que castiga e nunca sente pena.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

Tempo

Hoje vou por aí
É tempo de ir
Já não peço muito

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Agora, você.



Anônimo, agora você me diz: o que? quando? onde? por que? Responda você com sua alma cheia de razão; sua constante indagação que não leva a lugar nenhum. Me diz o que é solidão, me diz se precisa de receita para se sentir só. Me diz ainda o que é amor, o que é paixão. Diz o que faz você querer viver e me diz qual é a explicação. Mas não quero palavras compradas, tomadas de algum lugar, nada que não seja verdadeiramente seu. Me dê a sua lógica vivida, os sentimentos sentidos - chega desse seu papo dos críticos frustrados...

terça-feira, 18 de outubro de 2005

Receita de como apenas sentir

Escrever é antes de tudo racionalizar os sentimentos em linguagem. Como haver receita para o que não é preparado, para o que já está pronto? Me responda: quem veio antes? e passo a noite procurando um jeito de lhe dá-la. Afinal, sou um puta de um picareta (e quem não é?), que lhe tira o tempo com coisas que lhe fazem fugir do que você é.

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Na Caverna ou Janela da Alma

Aqui
do lado de dentro
nada tem cara
ninguém
nome de nada

Sente-se
não se vê
apenas sente-se

Aqui
não há razão
não há explicação

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

Loucura Moderada

A utilidade e normalidade
residem na eventualidade
Só assim se conserva o aspecto
regenerador do sentimento
de loucura

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

?

J.P. Cilli, vc já esteve em Hollywood?
Pois fique sabendo que lá eles vendem sonhos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Espera-nça

Estrada das Almas, n.º95, mas poderia ser sem n.º mesmo, já que há muito não recebia uma carta, e muito menos visita. Jonas era homem sozinho.
Também há muito que o silêncio machucava, parecia sempre cutucá-lo como criança insistindo por atenção. A casa vazia, o tempo que tardava a passar, a luz fria do sol, as sombras que invadiam sem ser convidadas, os carros que passavam pela estrada sem nunca parar, o telefone que não tocava, as cartas que não chegavam, as visitas que não visitavam. Para Jonas, tudo tinha um quê de dor, mesmo que de vez em quando uma outra sensação qualquer a escondesse. A dor estava lá, e ele simplesmente não conseguia abandoná-la. Ele mostrava o caminho da rua, e ela insistia em ficar, parecia não querer deixá-lo só.
Mas ao mesmo tempo em que tudo era dor, tudo era expectativa, como para a criança que espera pela mãe. Uma espécie de promessa permanente de que o incômodo da dor que doia calada, sem reclamar, daria lugar à alegria, à felicidade, e que a porta se abriria, a carta chegaria, o telefone tocaria. Para Jonas, tudo era espera-nça.
A dor; a dor era a vida.

sábado, 1 de outubro de 2005

dos réquiens e dos votos (diálogo-reflexão com mozart, tchaikovsky e beethoven)


Mozart um dia tocou lacrimoso meu coração. Respondi que aquilo nada tinha a ver com coração, que meu coração já estava farto de gorduras e sobressaltos, que aquilo era coisa das mais químicas, como tudo que é do homem. Ele estava mal, me pediu para recordar dos velhos tempos, mas eu, que nem me lembro do que vivi, o que poderia dizer do que não vi? Assim, respondendo com pergunta, o deixei um pouco confuso, pediu um tempo acendendo um cigarro, eu nem sabia que ele fumava, pensava que só bebia sua dose diária de qualquer bebida que o deixasse bom como um santo. Tchaikovsky, que andava alegre por ali, me explicou que o cigarro era mais democrático que a bebida. Mozart riu triunfante porque não ria antes e Beethoven, que não era assim e ouvia atentamente o que se passava, caiu em gargalhadas. Fiquei sério, porque nos velhos tempos aquilo até podia ser engraçado, mas que hoje em dia a coisa ia para outros lados. A bebida é neon, é obscena como a multidão, ofensiva, grita, cheira, a bebida é trovão. O cigarro não, ele até cheira, até chama, mas é silêncio, é solidão, é tempestade que não chove. Engana, dá charme para os olhos dos que vêem e atrai os que ainda não usaram. O cigarro, definitivamente, é mais democrático. Porque se traga, se sente completo, mas depois se entrega aos ares, se sente livre. Um deles, que não me tirava a atenção das minhas reflexões, disse que o cigarro e a democracia eram presentes dos deuses do mal. Porque eram deuses, porque eram do mal. E eu bebi minha bebida e ela estava saborosa como nunca, para sempre.