terça-feira, 29 de novembro de 2005

da separação e da união (relacionamento-reflexão das mentiras e das verdades)

Mas a conquista da mediocridade me foi o caminho da felicidade. Tratei-me durante oito meses. Esse foi o legado que ela me deixou. Meu esquecimento foi a chave para sua felicidade, diziam por aí. Ela andava triste e com ares negativos já no final do nosso relacionamento. Pouco antes havia me traído, não sei se só em pensamentos. Fui medíocre com ela, não tive ciúmes. As paixões de primeira hora nunca foram suficientes para isso. As razões que tive por ela, não foram poucas, nem tampouco duradouras. Antes dela eu era triste.
Antes dele eu era feliz. As razões que tive por ele, foram poucas, mas tampouco passageiras. As paixões da primeira hora se fizeram sempre suficientes para isso. Nunca fui medíocre com ele, só tive ciúmes. Pouco antes havia lhe traído, talvez só em pensamento. Ele andava feliz e com ares positivos pouco antes do final do nosso relacionamento. Minha tristeza foi a chave para sua felicidade, dizem por aí. Esse foi o motivo por ter lhe deixado. Esqueci-o em oito meses. Mas a conquista da liberdade me foi o caminho da tristeza.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Conto de folhetim: Parte II - O tal doutor

A noite foi de ansiedade, de muitos pensamentos. A incógnita do velho, Jonas deixou de lado; pensou que não iria chegar a nenhuma resposta mesmo. Pernoitou em uma pensão simples, lugar de viajantes, não muito limpa, mas de comida boa.
Passava pouco depois das 7 da manhã e Jonas fui buscar o tal médico. Não foi difícil, a cidade não passava de uma larga praça e uma dúzia de vielas. Chegou na casa-consultório-chácara e sem falar com ninguém entendeu que havia uma fila. Não passava de umas 8 pessoas, todas falando pouco e bem baixo. Uma criança infernizava com um choro escandaloso e interminável, chorava tanto que a mãe já havia desistido de tentar fazê-la parar. - Isto é choro de quebrante - disse em tom cerimonioso a moça a sua frente na fila. - Ah... sim, quebrante - Jonas sem saber o que dizer. Logo completou a moça - Tá calor, não? - É, quente mesmo - Jonas mais uma vez sem saber como continuar a conversa. A verdade era que não estava para conversas. Uma hora e uns quebrados, chegou sua vez.
Jonas entrou na casa e viu um senhor sentado numa cadeira à sombra de uma árvore no quintal dos fundos da casa. Era o doutor, que tinha aparência de um homem de uns 60 anos saudáveis, barba aparada, cabelos grisalhos, ralos e asseados. Vestia roupas largas e confortáveis, camisa branca, calças bege, sandália de couro. Ele sorriu e chamou Jonas para se sentar com ele. Ficaram à beira do jardim. As plantas eram bem cuidadas e ajeitadas de uma forma propositalmente displicente.
Jonas, ansioso, foi logo dizendo - Doutor, não sei o que tenho. Engraçado como já não sei mais o que dizer... e meu problema não é esquecimento. Vim pra cá com tantos pensamentos, só que agora parece estar tudo bem, até está. Mas tem hora que não me aguento, parece que me consome, perco as esperanças, parece que não há futuro, é agonia das fortes, como uma coisa que vai ganhando espaço dentro de mim, depois encolhe, vai embora e mais uma vez volta a crescer... vai e volta sem dar satisfação.
- Meu filho, isso é juventude, isso é o mal do infinito... e o infinito é longe pra diabo! Parece que não chega nunca e não chega mesmo... eu bem me lembro da minha juventude. Oh, tempo bom! Filho, não adianta eu dizer, mas isto pode passar. Deseje menos, talvez ajude. É a velha história de que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose... nem eu nem niguém vão lhe ensinar essas coisas da vida. Apenas não perca sua espera-nça.
Jonas ouviu com o máximo de atenção e não disfarçou a cara de incógnita, pelo contrário, fez questão de parecer confuso na esperança de ouvir maiores explicações. Tentou ao menos lembrar perfeitamente de tudo que ouviu, quem sabe poderia pensar melhor em todas aquelas palavras depois. E o doutor não falou mais nada mesmo, mandou até Jonas sair. Ele foi, deixou a casa, da mesma forma que entrou - nem mais nem menos. Parou no bar da cidade, sentou no balcão, pensou que algo de beber ajudaria a trazer os pensamentos à luz.

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

das paixões e das traições (metrópole-reflexão das criações)

taormina era menina sempre bem vista. tinha desde seus anos novos boa reputação entre as amigas da mãe, dona alva, e entre os pretendentes a compadres de seu pai, senhor aluísio, descendente de italianos fugidos da máfia siciliana. aprendeu o piano, lia os clássicos, bordava pontos caprichosos e não parecia se alimentar de maus ideais. mina, como lhe chamavam os familiares mais chegados, formou-se com louvor no colégio católico, cumpria-lhe então o matrimônio e a maternidade. sentiu-se atraída por um jovem que a pretendia, chamado joaquim, descendente de portugueses que comandavam negócios de exportação de café e recém formado em ciências jurídicas. para completar-lhe o fado de sucesso, mina veio a calhar. seria boa esposa, não lhe restava dúvidas, nem a ninguém. namoraram e noivaram uma semana antes de joaquim ir passar dois anos, que depois viraram quatro, estudando em yale. por essa época, viam-se somente pela oportunidade do feriado de natal, quando ele retornava por duas semanas. e, após longos cinco anos desde que haviam se conhecido, casaram-se e foram de lua-de-mel aos estados unidos. mina apaixonou-se por nova york, manhattan precisamente, e por um sujeito que encontrou no central park enquanto joaquim lhe comprava balões de gás. não trocaram palavras, somente olhares de certeza futura, ensurdecidos pelos barulhos do coração. digo que essas coisas de certezas entre os olhares são coisas misteriosas, tanto quanto o futuro o é. mas a intensidade da paixão permite que a certeza, ainda que duvidosa, o seja. pois tornaram a se encontrar ocasionalmente em uma peça teatral na broadway e depois em uma loja de departamento na quinta avenida. nesse encontro puderam trocar as primeiras palavras, já que mina estava sozinha, porquanto o marido, lhe dissera, estava tratando de negócios ali por perto. para espanto recíproco e ridicularização das primeiras palavras em inglês, eram ambos da mesma nacionalidade e provenientes da mesma cidade. ele comentou a nova moda channel, ela confessou-lhe não gostar tanto, que preferia os clássicos franceses mesmo, quiçá os italianos. ele convidou-a para visitá-lo em paris, para onde estava indo dali a dois dias, ela aceitou e disse que dali a duas hora estaria em seu hotel. foram a paris e ela guardou escondida até a morte uma fotografia dela tirada por ele.

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

fui deixado nas campinas
cercado por felinos mansos e ferozes
que me rodeavam com suas garras e seus caninos
fui forte enquanto pude me manter suspenso no ar
mas o ar é leve e incerto demais
o ar é instável demais para me manter suspenso e salvo
dos felinos de garras e caninos ferozes
dos felinos de ares mansos
mas ferozes
sou fraco mas fui forte enquanto pude
e sou forte por não ser fortaleza como o ar
o ar arrastava meu cheiro para as narinas felinas
elas me rodeavam
me olhavam
me desdenhavam sabendo que estava ali
estive sem pés e sem pique para correr
e sem asas para voar como sempre estive
vivi momentos felizes com os caninos ferozes que me rodeavam
mas no chão já não pude mais correr
perdi o fascínio
sentei na campina para aguardar meu fim
enquanto as garras cravaram a terra
como quem crava a mente em busca de soluções
errei em muita coisa
tive muitos problemas e errei muitas soluções
mas as unhas empestadas de terra e de pequenas partículas
viram no horizonte que fugia de mim soluções melhores
estou só em mim
sem felinos estou só
sentei só na campina e ali fiquei só e deitei
olhando para o céu abracei a terra e a campina
dei de costas com o peito para o céu e vi estrelas de formigas
as partículas e a terra no rosto do meu cabelo
o céu nas retinas da minha nuca
eu, só

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Conto de Folhetim: Parte I - A Caminho de Ibitipoca

Jonas não se aguentava mais; estava prestes a explodir. Ainda conservava a espera-nça, mas já não era remédio que o confortava.
Belo dia resolveu procurar um médico, desses que cuidam das doenças da alma. Ficou sabendo que em Conceição do Ibitipoca havia um doutor que era bom mesmo, que resolvia de tudo. Era uma viagem um tanto quanto longa, mas pela fama do doutor - todos diziam que ele até tirava o pior dos quebrantos - parecia valer a pena tentar. Foi lá Jonas prestar queixa de suas insatisfações, de seu mal-estar sem razão certa.

A viagem até que passou depressa. Da janela Jonas se ocupou por um bom tempo com a paisagem das montanhas. O ônibus balançava um bocado. Entre um solavanco e outro puxou conversa com o senhor ao seu lado. O velho desatinou a contar histórias de sua vida - casos de família, de amor, de briga. Tinha aparência simples, cara marcada, o corpo sofrido e falava como quem tem a calma que só o tempo pode dar. Jonas ouviu admirado com atenção. A nostalgia do velho não era triste; pelo contrário, o seu olhar para o passado transparecia beleza, uma verdadeira admiração pela vida. Parecia viver a vida como quem aprecia um vinho - dos melhores -, principalmente quando falava de Vitalina*. Vitalina, a mulher que o fez deixar tudo e nascer para vida. Tudo era justificável por Vitalina, mais que isso, Vitalina justificava tudo. O velho quando tinha seus mais de 60 anos deixou mulher, filhos, propriedades e a segurança que tudo aquilo lhe dava para viver com Vitalina. - Que loucura! - disse Jonas sem pensar. - Loucura, meu filho... loucura não. Louco estava quando com mais de 60 não tinha sentido o que era viver - respondeu com ar de bon vivan. Jonas consentiu com a cabeça, mas continuava pensando que o velho era doido e emendeu em seguida - Ah, então pelo visto o senhor está muito bem arranjado com ela... - Não, meu filho, Vitalina me deixou. Hehehe. Foi viver com um rapaz, fazendeiro, dono de terras...

Apesar do entusiasmo e a fascinação com que o velho falava sobre Vitalina, sobre a vida, Jonas pensou que aquilo era o atestado de loucura do velho. Falar com tamanho prazer sobre uma história de amor que terminara com um belo par de chifres, não podia ser normal, não para Jonas. Nem sabia mais o que dizer e apenas respondeu com um movimento de cabeça, que não parecia nem dizer sim nem dizer não. - Vai entender... vai ver que é assim mesmo - pensou calado Jonas. Na confusão de sua mente, não conseguia entender de onde o velho tirava aquele prazer vital, aquilo que ele mesmo tanto buscava. Como era confuso tudo aquilo; o velho, que aparentemente parecia ter mais motivos para destestar a vida, era uma das poucas pessoas que conheceu, se não a única, com um verdadeiro tesão por ela.

Logo chegaram a Ibitipoca, mas já era tarde e procurar o tal médico só seria possível no dia seguinte.


(*) Ver texto em comentários.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Águas próprias

Em sua chuva de cores,
Nado em meio aos restos de você

E uso sua beleza

Para não me afogar

No mar do meu eu.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Fome


Certa vez, busquei flores, flores para ela. Escolhi as mais bonitas, coloridas como ela, alegres como ela, perfumadas como ela. Tudo sem saber porquê; ela estava longe e talvez nem pensasse em mim.
Dei as flores a uma moça de olhar simpático que passava por ali. Ela, surpresa, sorriu. Eu agradeci. Percebi: era daquilo que eu precisava, daquele sorriso; apenas um desejo me alimentara.

sábado, 5 de novembro de 2005

fotografia laranja

tenho que as luzes eram laranja mesmo, ou tudo era do laranja que as luzes refletiam. um tempo antes não era para eu estar ali, nem era para ela estar comigo. mas o sorvete ainda não havia derretido. tenho quase que era laranja também. eu nem tinha muita fome mas o sorvete tinha muito sabor na boca dela, mesmo antes de comê-lo. penso que ali queria casar-lhe meus propósitos, ela de vestido laranja e buquê de flores amarelas e vermelhas, que serviam para todas, porque agora estava laranja e desejava que o mundo se colore também. e até creio que eram-lhe casados e esse instante se manteve na fotografia. mas fotografia só fica porque as luzes se apagam e porque as lembranças perdem cor. o sorvete derreteu com o laranja, as flores se foram com as luzes, eu ainda tenho esta fotografia.

enquanto ela dança

ela é bela. tentei convencê-la disso, ela agradeceu singelamente mas talvez nem tenha se atinado que se tratava de contemplação metafísica e mundana ao mesmo tempo. mas mais bela é a harmonia dela, que me eleva à música que o universo canta nela. e eu ouço.

terça-feira, 1 de novembro de 2005

minto

sinto
tanto o que sente seu íntimo
mas temo em dizê-lo que é muito
do que sente tanto o homem quanto o menino

minto
quando desse alento me animo
mesmo ao fazê-lo sem intuito
pois que o manto do homem é o encanto do menino