Otros días vendrán, será entendido
el silencio de plantas y planetas
y cuántas cosas puras pasarán!
pablo neruda
capítulo primeiro – as velas, a vela e cecília
a pedra é sofrimento
paralítico, eterno.
carlos drummond
era um quarto com grande pé-direito, a luz que saía das velas pendia no escuro, espetando às paredes um bilho fraco, amarelado, degladiando-se com o ar: murmurando vida, enfim. e porque viver é lutar e velar, ali estavam os olhos de cecília. mantinham-se discretos, com ares de desprezo ao mundo que sempre tiveram, mas que vida queriam não ser? a vela teimava no brilho dos olhos de cecília. postada como quem é vítima de outros olhos, cecília lia a carta relutando, talvez bravamente, às primeiras linhas, certa maneira em coro com as velas agonizantes. ah, como se relutava naquele quarto de grande pé-direito! o papel, digo-lhes desde já, fora cuidadosamente escolhido, tinha ares originais de luz de vela, ainda que o sol fosse por ali despejar toda sua candura.
cecília era vida mas também era morte, a semente da essência humana cultivada e produzida pela mais desumana das mulheres que conheci, pura como as plantas, silenciosa como os planetas. desprezava o mundo por se sentí-lo todo, como uma santa sem um deus, ou uma bela fotografia nunca vista. era alva porque nem o sol a atingia e nem a noite a escurecia. era de altura mediana, olhos e cabelos escuros, ouvia clássicos, dizia-se. usava vestidos soltos e com pouca ou nenhuma estampa que a deixavam bela, cecília era bela, devo dizer, uma beleza que padecia em um banho de sombras e luzes.
apaixonei-me por muitas mulheres, valendo-me das qualidades e desprezando os defeitos. mas cecília não tinha um nem outro. era sempre algo justamente por não ser, tudo sendo nada. sua pele clara estendia uma longa e opaca cortina negra aos olhos dos homens. o seus, desabitados de janelas, suas vozes vazias de ruídos; um eterno nevoeiro, nítido como a leda de da vinci. creiam-me, não há outro modo de descrição: desvendá-la era mergulhar no universo pelo abismo do nada; mirar o infinito; chegar a cem contando até noventa e nove. e amá-la... quanto sofri amando cecília!
se o leitor é distraído, confesso-lhe: dali a pouco estava eu dando voltas para conquistá-la. de início, pelo modos ternos em que se afigura, fui-lhe com pequenos recados, coisas doces e discretas; mas tendo ela se mantido indiferente a todos meus chocolates, mais ou menos amargos, saí com outras estratégias, de efeitos igualmente vãos e efêmeros. a essa altura, no entanto, os sentimentos por ela fizeram da insânia o crepúsculo do amor. porém eu, de boas razões e companhias, avisado por ambas do caminho que havia tomado, tomei uma resolução.
el silencio de plantas y planetas
y cuántas cosas puras pasarán!
pablo neruda
capítulo primeiro – as velas, a vela e cecília
a pedra é sofrimento
paralítico, eterno.
carlos drummond
era um quarto com grande pé-direito, a luz que saía das velas pendia no escuro, espetando às paredes um bilho fraco, amarelado, degladiando-se com o ar: murmurando vida, enfim. e porque viver é lutar e velar, ali estavam os olhos de cecília. mantinham-se discretos, com ares de desprezo ao mundo que sempre tiveram, mas que vida queriam não ser? a vela teimava no brilho dos olhos de cecília. postada como quem é vítima de outros olhos, cecília lia a carta relutando, talvez bravamente, às primeiras linhas, certa maneira em coro com as velas agonizantes. ah, como se relutava naquele quarto de grande pé-direito! o papel, digo-lhes desde já, fora cuidadosamente escolhido, tinha ares originais de luz de vela, ainda que o sol fosse por ali despejar toda sua candura.
cecília era vida mas também era morte, a semente da essência humana cultivada e produzida pela mais desumana das mulheres que conheci, pura como as plantas, silenciosa como os planetas. desprezava o mundo por se sentí-lo todo, como uma santa sem um deus, ou uma bela fotografia nunca vista. era alva porque nem o sol a atingia e nem a noite a escurecia. era de altura mediana, olhos e cabelos escuros, ouvia clássicos, dizia-se. usava vestidos soltos e com pouca ou nenhuma estampa que a deixavam bela, cecília era bela, devo dizer, uma beleza que padecia em um banho de sombras e luzes.
apaixonei-me por muitas mulheres, valendo-me das qualidades e desprezando os defeitos. mas cecília não tinha um nem outro. era sempre algo justamente por não ser, tudo sendo nada. sua pele clara estendia uma longa e opaca cortina negra aos olhos dos homens. o seus, desabitados de janelas, suas vozes vazias de ruídos; um eterno nevoeiro, nítido como a leda de da vinci. creiam-me, não há outro modo de descrição: desvendá-la era mergulhar no universo pelo abismo do nada; mirar o infinito; chegar a cem contando até noventa e nove. e amá-la... quanto sofri amando cecília!
se o leitor é distraído, confesso-lhe: dali a pouco estava eu dando voltas para conquistá-la. de início, pelo modos ternos em que se afigura, fui-lhe com pequenos recados, coisas doces e discretas; mas tendo ela se mantido indiferente a todos meus chocolates, mais ou menos amargos, saí com outras estratégias, de efeitos igualmente vãos e efêmeros. a essa altura, no entanto, os sentimentos por ela fizeram da insânia o crepúsculo do amor. porém eu, de boas razões e companhias, avisado por ambas do caminho que havia tomado, tomei uma resolução.
Um comentário:
Espero o próximo capítulo.
Me avisa quando publicá-lo.
Ansioso,
Feijão
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