segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Reflexões úteis sobre a cidade de agora e a do futuro


Suplemen+o Literário de Minas Gerais

Trechos de A memória como fundamento da cidade futura,
de Carlos Antônio Leite Brandão

"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos.
Existem duas maneiras de não sofrer.
A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."
(CALVINO, Italo. As cidades invisíveis)

"Comecemos por ver as imagens do futuro da cidade que a ficção nos relata. Em Blade Runner, de Ridley Scott, vemos um espaço público cinzento e decrépito sob a chuva ácida. Todo encontro com o outro é monosilábico e áspero, todo diálogo é evitado no meio do tédio que se expressa nas feições dos pseudo-cidadãos, habitantes de um espaço comum mas que com ele não se sentem comprometidos. (...) Exilados de um destino comum, esses pseudo-cidadãos também não têm memória e um patrimônio compartilhado: não se constituem como membros de uma res publica, mas como seres atomizados numa massa desnorteada, desmemoriada e sem liberdade. A Los Angeles de 2019 figurada na película é o território tumultuoso onde outrora havia cidade e cidadãos e que se tornou uma somatória de guetos e replicantes. Governada pela economia e pela técnica, as leis que a regem não se engendram são-nos impostas: somos, novamente, servos dentro de um espaço composto por feudos e onde o mundo público converteu-se na escória do universo privado. Ele não é mais o abismo onde se enterrou toda memória, toda festa e toda troca de experiências concretas."

"(...) A cidade do futuro, antes pensada em torno de um ideal ou de uma utopia, passou a ser tratada como o supermercado do gozo e como objeto de satisfação e necessidade, não de liberdade."

"(...) A cidade constitui-se como o espaço do diálogo e do encontro com os outros do espaço (dos vivos e contemporâneos) e do tempo (os mortos e os que irão nascer), interlocutores sem os quais não há república, não conquistamos nossa identidade individual e coletiva, não desenvolvemos nossas potencialidades e o sentido de nossa existência. (...) Esse encontro é um encontro entre os heterogêneos que a cidade deve produzir e abrigar, e a partir dos quais realizo minhas escolhas. O encontro entre iguais - como tribos, gangues, condomínios fechados e comunidades restritas; como as dos shoppings, café-bar, clubes e pubs de toda espécie mas nos quais, como ordens religiosas, só interagem os semelhantes - não constitui a pólis e o máximo que se instaura e a sociabilidade de comunidades restritas onde só me relaciono com o igual a mim. O todo da pólis permanece, assim, apenas uma somatória de partes em cujos interstícios ela se perde."

"Trata-se de uma cidade que não fala de nós, e nem nós falamos nela. A cidade do futuro parece muda e muda fica sua memória. Isso já estamos construindo, como ao estetizarmos o patrimônio histórico e a memória herdados."

texto integral em Suplemen+o


Nenhum comentário: