Antes de clarear...
Um dia desses, assim, como em um susto, o meu colega João Pedro me perguntou se eu podia escrever algo sobre o que eu não conhecia. Eu fiquei dias pensando e, em outro momento, como em outro susto, me peguei pensando que o desconhecer não é o oposto do conhecer, mas uma etapa no comecinho deste processo de relação com algo que a gente acaba de ser apresentando.
Bom, eu não sei se ficou claro, então, vamos continuar. Eu refleti e vi que existem uma série de coisas no mundo que eu desconheço, mas se você me pedir para fazer uma lista dos elementos, sentimentos, vivências, histórias que eu não conheço, eu jamais conseguiria, porque, de certa maneira, você precisa entrar em contato com o objeto desconhecido para sentir que ele te é estranho.
Por exemplo, algumas pessoas que convivem comigo têm um pouco de preconceito com as benzedeiras – que são aquelas senhoras que aprenderam as rezas das gerações passadas de suas famílias e usam ervas e folhas, como as de arruda, para afastar o excesso de energia, que chamamos popularmente de mau olhado. Para mim, isso é absolutamente normal, pois eu venho de uma família de índios e negras que utilizavam a reza para purificar o lar e a energia das pessoas; mas para quem desconhece o assunto ou não tem proximidade com ele, isso é a maior loucura.
Contudo, para que essas pessoas pudessem ter essa sensação de estranheza com as benzedeiras, elas precisaram saber que essas mulheres existem e um pouco do que fazem. Pensando neste aspecto, eu vi que sou ignorante em uma série de coisas: não sei como funciona o Ciclo de Krebs, por exemplo, mas sei que ele existe e alguém disse que ele é fundamental para o nosso corpo. Também me falaram que tem a ver com a liberação de energia, mas eu nem sei se é verdade. É verdade?
Outro dia me perguntaram se eu não tinha medo da minha tia-avó, que é benzedeira, e se ela não era uma bruxa. Queria eu que ela fosse uma bruxa, assim poderia entender melhor uma série de relações com a natureza, que os bruxos e bruxas da antiguidade cultivavam e que a nossa cultura ocidental e católica exterminou. Está vendo? Este é mais um item que eu desconheço: as religiões que se relacionam a natureza. Conheço bem o catolicismo, um pouco do espiritismo e do candomblé, que foram as religiões que cruzaram parte da minha família, mas o seguimento espiritual do meu bisavô paterno, que era índio, eu não conheço. Acho que vou voltar a pesquisar sobre religiões, que era uma das coisas que eu adorava ler a respeito.
Será que eu consegui explicar a relação entre o conhecer e o desconhecer? Saber que existem coisas no mundo que ignoramos, nós sabemos, mas para saber efetivamente o que nos é estranho, distante, é preciso um primeiro contato. Nem que seja apenas um nome soprado na rua ou uma palavra que te fazem decorar na infância – uma professora me fez decorar inconstitucionalissimamente e eu ignorava o significado desta imensidão vocabular – ou um recado no blog na internet. Eu não conhecia o João Pedro até ele me dar um sinal virtual e ainda não o conheço – apenas fragmentos de sua generosidade com a minha pessoa -, mas o conhecimento nasce disso, dessa coleção de fragmentos que vamos juntando, ao longo da vida, sobre as coisas, sentimentos, pessoas, saberes e vivências que nos interessam.
Ana Lira publica em: (i) A Ostra e o Vento; (ii) Câmera Varzeana; (iii) Revista Rabisco; e (iv) Comunidade Boi Voador
terça-feira, 13 de março de 2007
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