Era o fim da tarde e eu estava saindo de casa para comer uma mexerica no quintal. E por ser uma tarde de inverno, no meu quintal rodeado pelas montanhas do vale do sul não batia sol. Na pequena faixa de concreto no piso da frente da casa é onde batia o tal do sol de fim de uma tarde de inverno. Meus olhos se recolheram no vão entre as casas e muros onde se projetavam o restante da vargem e as colinas do oeste, tudo já naquela escuridão ofuscante, para depois se dirigirem à brilhante mexerica laranja nas minhas mãos. Não havia sentido não dar uma volta pelo menos até o pasto dos fins da rua – uma caminhada de cinquenta metros de ida. O frio me levava ao sol; a própria logística do se comer uma mexerica!: adubaria a natureza com a casca e o bagaço (é que ultimamente não tenho comido o bagaço), além das sementes que poderiam germinar uma nova árvore – frutífera! – naquele pasto. Para tanto eu deveria voltar para casa e pegar a chave do portão; eu estava disposto a fazer isso mas não estava disposto a esperar para comer despretensiosamente minha única mexerica. Assim, adubei primeiro meu quintal, enquanto voltava já com a chave na mão. Naturalmente abri o cadeado (com todo procedimento regular), forcei um pouco mais que de costume o ferrolho sempre emperrado (mais – porque não costumo chegar ou sair e casa com mexericas na mão) e ganhei a rua e o sol livre esquecendo – propositadamente, embora desconhecesse meus propósitos com aquilo – o portão de grade aberto; é que, na verdade, tudo na frente era uma grade (e naquele momento) (uma frente que ficava para trás)(na sombra)(minha). Ainda na rua, antes de chegar ao pasto, despejei minha sobra orgânica (que de outro modo seria lixo) no meio-fio e parei um pouco passado de dois pedreiros que construíam uma casa num terreno onde todos os muros com exceção do frontal já haviam sido construídos – pelo mesmo “mestre”, como fui saber adiante. Dali para frente começava o pasto a margear a rua pelos dois lados, o sol me atingia na posição de duas horas, bem em cheio na mão que transportava os gomos da outra à boca e o meu resto orgânico para a direção decidida (e não vou entrar no mérito dessa decisão). Virei para esse lado uma meia volta e iniciei uma conversa com o pedreiro que trabalhava o cimento num canto da rua. Conversamos sobre o dono da casa e sua família, depois falamos sobre o que cada um fazia da vida, e por fim sobre a própria vida: a importância do dinheiro, as escolhas que a compõem. Essa conversa, claro, durou mais que o tempo de comer uma mexerica, durou até acontecer d’ele comentar que estava com pressa porque ainda tinha que pegar a filha na escola e eu, que antes desse comentário havia dito algo sobre a segurança que tive ao viver naquele rua, observar meu portão aberto e me despedir prometendo recomendá-lo a um pequeno empreiteiro conhecido meu. Caminhei de volta, já sem nada para dificultar a abertura do portão por estar ocupando minha mão (embora, sim, o portão já estivesse aberto), já sem ofuscar meus olhos que miram minha sombra, as mãos fechando o portão, o sol poente intercalado pelas sombras verticais da grade e minha própria sombra se unindo à sombra da casa.
quinta-feira, 2 de agosto de 2007
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