quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Espera-nça

Estrada das Almas, n.º95, mas poderia ser sem n.º mesmo, já que há muito não recebia uma carta, e muito menos visita. Jonas era homem sozinho.
Também há muito que o silêncio machucava, parecia sempre cutucá-lo como criança insistindo por atenção. A casa vazia, o tempo que tardava a passar, a luz fria do sol, as sombras que invadiam sem ser convidadas, os carros que passavam pela estrada sem nunca parar, o telefone que não tocava, as cartas que não chegavam, as visitas que não visitavam. Para Jonas, tudo tinha um quê de dor, mesmo que de vez em quando uma outra sensação qualquer a escondesse. A dor estava lá, e ele simplesmente não conseguia abandoná-la. Ele mostrava o caminho da rua, e ela insistia em ficar, parecia não querer deixá-lo só.
Mas ao mesmo tempo em que tudo era dor, tudo era expectativa, como para a criança que espera pela mãe. Uma espécie de promessa permanente de que o incômodo da dor que doia calada, sem reclamar, daria lugar à alegria, à felicidade, e que a porta se abriria, a carta chegaria, o telefone tocaria. Para Jonas, tudo era espera-nça.
A dor; a dor era a vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto bonito, com idéia interessante. Me lembrou Hobbes, que dizia que a vida só existe com movimento, e a paixão é a fonte deste. Dor, paixão, tudo a mesma coisa...