sexta-feira, 30 de junho de 2006

sábado, 24 de junho de 2006

XCIX - II

Otros días vendrán, será entendido
el silencio de plantas y planetas
y cuántas cosas puras pasarán!

pablo neruda



capítulo segundo – a resolução, a revelação e o encontro

lá dentro, ela padecia, e não pouco, - ou fosse mágoa pura, ou só despeito; e porque a dor que se dissimula dói mais, é mui provável que virgília padecesse em dobro do que realmente devia padecer. creio que isto é metafísica.
machado de assis

não havendo meios, e sendo eminente a lua cheia, resolvi passar um mês com meus familiares no interior. no entanto, foi-se a lua cheia e não deram coisas do amor, tanto por mim quanto por ela, que não haveria de fazer mais pelos amantes. passadas duas semanas, fechei-me no quarto para descansar e acendi uma vela simples, coloquei alguma música e perdi-me em cecília por mais de uma hora, creio. estando a vela e a imaginação ao fim, dei-me conta do que resolveria meu sofrimento. é aí que chegamos ao início da história.
aquela era a cecília que mil eisteins não revelariam, perdoem minha falta de modéstia. mas destrinçando-a como faço, fica fácil, facílimo, o que não era, creiam-me. descobri, enfim, sob a luz arquejante e moribunda daquelas velas, o segredo de cecília – ah, se aquiles soubesse, agradeceria seu calcanhar! em poucos minutos tratei de escrever-lhe uma carta e fazê-la despachar logo pela manhã. aquela é cecília lendo a carta que a remeti, posso jurar-lhes. a carta, devo dizer, era uma legítima obra-prima, e como aquiles veio-nos em metáfora, que fiquem ao chão mais mil homeros! antecipei minha volta, estava exultante, cecília nenhuma resistiria àquele golpe.

chegando à capital, liguei para cecília, dei-me um dia, marcamos um almoço em um restaurante próximo à sua casa, discreto, sim, mas escolha minha. no outro dia me aprontei e fui ao seu encontro. a bordo de um táxi que me levava ao destino, sonhei uma cecília desmascarada, uma cecília de olhos claros e brilhantes, que abriria os braços para me beijar no meio do restaurante! ah, naquele caminho, as esquinas eram bodas, os automóveis padrinhos da nossa felicidade, os ruídos, as freadas, o burburinho, fogos que estouravam ao nosso beijo! o troco da corrida foi o dízimo devido ao procurador dos céus que selou com benção nosso amor: taxistas, se tuas corridas fossem movidas do meu sentimento, seríeis ricos, riquíssimos; mas não haveria de haver amor como aquele, perdoai-me a sinceridade. pois deixemos de aforismos religiosos e vamos indo. chegando ao restaurante, achei cecília sentada de costas, virada para a janela que dava para o jardim, a claridade do sol caía-lhe no vestido branco, imagem linda, cingindo-a com uma espécie de áurea luminosa. lindíssima. dei por esquecido meu coração desavisado, indeciso entre os solavancos das emoções e a serenidade da visão, e fui ao encontro de cecília com uma bela rosa branca na mão.

sexta-feira, 16 de junho de 2006

ESCLARECIMENTO PÚBLICO

O QSEDQ esclarece a quem isto possa interessar que é a favor do tráfico de
idéias.

quarta-feira, 14 de junho de 2006

?: estado permanente das coisas

XCIX

Otros días vendrán, será entendido
el silencio de plantas y planetas
y cuántas cosas puras pasarán!

pablo neruda



capítulo primeiro – as velas, a vela e cecília

a pedra é sofrimento
paralítico, eterno.
carlos drummond

era um quarto com grande pé-direito, a luz que saía das velas pendia no escuro, espetando às paredes um bilho fraco, amarelado, degladiando-se com o ar: murmurando vida, enfim. e porque viver é lutar e velar, ali estavam os olhos de cecília. mantinham-se discretos, com ares de desprezo ao mundo que sempre tiveram, mas que vida queriam não ser? a vela teimava no brilho dos olhos de cecília. postada como quem é vítima de outros olhos, cecília lia a carta relutando, talvez bravamente, às primeiras linhas, certa maneira em coro com as velas agonizantes. ah, como se relutava naquele quarto de grande pé-direito! o papel, digo-lhes desde já, fora cuidadosamente escolhido, tinha ares originais de luz de vela, ainda que o sol fosse por ali despejar toda sua candura.

cecília era vida mas também era morte, a semente da essência humana cultivada e produzida pela mais desumana das mulheres que conheci, pura como as plantas, silenciosa como os planetas. desprezava o mundo por se sentí-lo todo, como uma santa sem um deus, ou uma bela fotografia nunca vista. era alva porque nem o sol a atingia e nem a noite a escurecia. era de altura mediana, olhos e cabelos escuros, ouvia clássicos, dizia-se. usava vestidos soltos e com pouca ou nenhuma estampa que a deixavam bela, cecília era bela, devo dizer, uma beleza que padecia em um banho de sombras e luzes.
apaixonei-me por muitas mulheres, valendo-me das qualidades e desprezando os defeitos. mas cecília não tinha um nem outro. era sempre algo justamente por não ser, tudo sendo nada. sua pele clara estendia uma longa e opaca cortina negra aos olhos dos homens. o seus, desabitados de janelas, suas vozes vazias de ruídos; um eterno nevoeiro, nítido como a leda de da vinci. creiam-me, não há outro modo de descrição: desvendá-la era mergulhar no universo pelo abismo do nada; mirar o infinito; chegar a cem contando até noventa e nove. e amá-la... quanto sofri amando cecília!
se o leitor é distraído, confesso-lhe: dali a pouco estava eu dando voltas para conquistá-la. de início, pelo modos ternos em que se afigura, fui-lhe com pequenos recados, coisas doces e discretas; mas tendo ela se mantido indiferente a todos meus chocolates, mais ou menos amargos, saí com outras estratégias, de efeitos igualmente vãos e efêmeros. a essa altura, no entanto, os sentimentos por ela fizeram da insânia o crepúsculo do amor. porém eu, de boas razões e companhias, avisado por ambas do caminho que havia tomado, tomei uma resolução.

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Parcos e Menosprezados Leitores,

Espero que esse tempo esteja chegando ao fim, vejam que lhes coloco letra maiúscula como sinal de respeito. Finalmente consegui preparar-lhes algo que deixasse de lado minha habitual preguiça. Que lhes alcancem a altura em qualidade, não digo, mas em esforço, confesso. Publicarei nas próximas três semanas uma história de amor, dividida em capítulos, a cumprir as exigências dos patrocinadores e o dever de não enfastiá-los. Ah, sim, peço já que me perdoem por alguma dissidência com o dicionário e com a gramática, tenho desculpa: as dissidências enriquecem. O primeiro capítulo vai pela semana que vem, os outros seguirão.

E vamos.

terça-feira, 6 de junho de 2006

Mais Contos Folclóricos

uma certa mulher tinha um filho mui casmurro, que não brincava nunca, nem sozinho, nem com as outras crianças. tendo ido consultar uma velha curandeira da região para resolver o problema do filho, ela foi instruída a fazer certa coisa. meditou muito a mãe se realmente deveria fazer aquilo, mas, ficando mais desesperada dia após dia, decidiu tentar. então, num dia de chuva, fez-lhe um barquinho de papel, mui grande e formoso, levou o filho com muito esforço para fora de casa, colocou-o em cima do barco e ambos numa pequena corredeira formada pela água da chuva, que carregou-os abaixo. ao lado de tal barco, colocou outro, bem menor e com um pedido escrito num pedaço de papel, que o garoto fosse como uma criança qualquer. o barco grande, então, encalhou em um local de profundidade menor e o pequeno seguiu até desaparecer da vista da mãe. a curandeira afirmara que, assim, o pequeno barco iria para o rio sagrado e circular de anutaz e que, ao completar a primeira volta, o desejo começaria a ser realizado. passado um ano, a mãe, não tendo notado diferença nenhuma no comportamento do filho, procurou a curandeira. ela a recebeu com muita atenção, perguntando-lhe o que desejava. a mãe, angustiada com o filho, questionou-a quando o pequeno barco daria a primeira volta. a velha encarou-a séria e disse:
- a volta do rio durará a vida do seu pequeno filho.
a mãe, então, ficou revoltada com a resposta e a velha, vendo o nervosismo da mãe, acrescentou:
- se quiseres, podes acompanhar o pequeno barco, eu posso te mostrar o caminho.

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Contos Folclóricos da Anutaz

havia a história, narrada pelos antepassados, de que um jovem filho, tendo se revoltado com as imposições do pai, fugiu de casa e andou muito, embrenhando pela floresta, até alcançar um rio, de água correntes e límpidas. posto já estar escurecendo, resolveu acender uma fogueira e repousar ali, embaixo de uma árvore de frutos doces, e dali a algum tempo, adormeceu. tendo o fogo apagado, e o frio lhe abatido, acordou trêmulo, desejoso de seu quarto e sua coberta, e temeroso dos espíritos que habitam a floresta. foi então que, mirando apavorado e imóvel a última brasa, esta começou-lhe a falar com brilhos. assim que, de brilhar mais ou menos, fazia-se sua linguagem, perfeitamente compreendida pelo jovem. a conversa foi longa, mas ao fim, a brasa, identificando-se como a mensageira da natureza, lançou uma maldição ao filho rebelde. o jovem deveria perseguir a onda d’água do rio que primeiro refletisse o sol da manhã. aquele era o rio anutaz, o rio que gerou o grande criador, que não possuía nascedouro nem tampouco foz.