sábado, 23 de dezembro de 2006

Uma reflexão para o momento de natal, mas válida para todos os dias.

"Se não estivéssemos tão empenhados
Em manter nossa vida em movimento,
E pelo menos uma vez pudéssemos não fazer nada
Talvez um enorme silêncio
Pudesse interromper a tristeza
De nunca entender a nós mesmos
E de nos ameaçarmos com a morte"

"Ficando em Silêncio", Pablo Neruda

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Exposição - ENCARA

08.12.06 - Coquetel de Abertura: Vereador Pézinho conta que o fotografado faleceu há pouco.

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Poética


Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Vinícius de Moraes, NY, 1950.

certo dia
veio à minha morada
a vida;
não sei se de entrada
ou de saída,
mas vinha apressada
e urgida,
com a face cansada
e fugidia;
parecia embuçada
e ferida,
não sei se pelo nada
ou pela lida,
mas vinha vitimada;
que tinha?
não sei, queria explicação.
- minha?
lhe respondi que não;
se havia,
agora não vejo razão
na forma divina
que jaz neste chão
ou nesta sina
que vai no céu feito balão.
- e se fica,
lhe disse indo embora,
minha querida,
só não me faça demora:
o tempo migra
e me põe a sua hora,
maligna
ou boa senhora,
sempre fria,
que não se liga com o agora
nem choraminga:
vai indo e lhe faz aurora
e amiga
para ainda lhe jogar fora,
suicida,
destruindo sua obra
antiga.
- mas por fim lhe digo,
minha vida,
como seu velho amigo:
antes de caída
melhor que fique comigo;
vamos indo,
que só ficam os inimigos.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

reedição retraduzida

her beauty

her beauty floats alone
fleeing from me and what i know
in the intangible space of the universe

her poised and serene beauty
free from the estuary and the sources
plays with the time being all and remote

the same beauty that flees from the concrete
becomes a black hole of the nothing
and shelters the flee of unfortunates

from there do not spout the humans’ words
but escapes the sound of the truth
as the original creation hum

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

usualmente almoçávamos juntos e terminávamos a refeição comendo algum doce familiar típico: compota, calda, leite, com queijo, fruta, algo. também era usual não levantarem todos ao mesmo tempo, primeiro mamãe que gostava de ir ajeitando as louças para a empregada lavar, e logo papai que tomava sempre um copo d’água na talha. eu pegava minha parte da sobremesa e ia sentar no parapeito da porta, que é parapé na verdade, quando era sol de inverno; não esquentava mais do que o confortável e o movimento da rua não era tão intenso a ponto de confundir os pensamentos: horário perfeito de contemplação. eu bem o sabia, ainda que fosse inconscientemente, e ali estava para tanto: contemplar a natureza – humana ou não. ralhava com um, cumprimentava respeitosamente outro; eram as minhas faces, unidas no meu interior, manifestando-se com tratamentos personalíssimos: um luxo, como dizem. talvez fosse a meia hora mais comprida que se pode ter na vida, essa que passa próxima ao meio-dia de um dia de começo de inverno, quando se está contemplando do parapé. contemple, é o que digo; com o passar dos anos, numa cidade pequena como a minha, o mundo parecerá tão outro que será sempre o mesmo: a unidade. a não ser que lhe ocorra o que me ocorreu, e a muita gente, um certo dia.
tomei um pêssego, segui calmamente para a porta dando a primeira mordida e sentei mastigando, com olhar ainda perdido e se acostumando com a claridade. pouco depois surgiu a dois quarteirões acima um senhor, vestido normalmente, camisa, calça, sapatos, barba aparada, cabelos penteados, e era tudo o que podia ver dali; ouvir ouvia mais, e afinal ele berrava sem pudor, característica que sempre invejei nas pessoas realmente corajosas e despojadas, berrava para todos que encontravam, um a um, - você é feliz? e repetia mais incisivo, talvez inquisidor, inclinando-se para frente e ameaçando com o dedo, - é feliz? e então, diante do silêncio, caía na risada, uma risada autêntica posso assegurar. os transeuntes regularmente o ignoravam cuidando se tratar de mais um louco, embora sua aparência não fosse para tanto; e a cada rosto que lhe era virado, ele repetia para si mesmo, com voz chorosa, também autêntica, transformando o riso em um gesto de conformação tristonha, - é triste!
era um acontecimento ao menos engraçado e fiquei ali esperando minha hora; ele vinha subindo a rua e inevitavelmente passaria por mim, e também inevitavelmente me lançaria a pergunta: o que eu responderia? sou feliz, pensei, devo ser, com esse sol, esse pêssego, esse parapé, devo ser feliz, não há como não ser; mas brequei meus pensamentos, - vai explicar! mas eu é que não queria ser tomado como triste, assim no meio da rua, ainda mais por um louco, que têm a fama de serem honestos; bem capaz! diria, - claro!, e ainda o ofereceria o que ainda houvesse de pêssego, esticando meu braço com a fruta na mão. sim, seria a resposta perfeita.
enquanto isso ele ia repetindo, cada vez mais insistente – chegava a repetir umas três vezes, - é feliz? – e cada vez mais choroso: chegou a sentar por alguns minutos na calçada, pareceu-me chorar de verdade. seria ele triste diante da tristeza dos normais? seria uma boa lição de compaixão, refleti. então do que vale a felicidade se não se pode compartilhá-la? aquele sujeito devia apenas ser louco na medida do desembaraço; tinha consciência da realidade e dos sentimentos, só não hesitava nas suas manifestações. mas, enfim, seria ele feliz? é isso, responderia perguntando a mesma pergunta, o que me soou um pouco clichê, mas tinha lá seu significado. o pior mesmo seria as pessoas presenciarem meu diálogo nivelado por ele; isso certamente iria comprometer minha imagem com o dono da farmácia, onde eu trabalhava, e com certeza iria chegar aos ouvidos dos meus sogros: a gente da cidade não iria aceitar muito bem aquilo. ademais, meus pais ouviriam lá de dentro minha conversa, causaria crise em casa: mamãe zelava muito por essas coisas, papai também.
tive um ímpeto de sair e ir assistir televisão, ficar a par das notícias era uma boa desculpa para mim mesmo, inclusive autorizada pelos outros. até a empregada iria zombar comigo, abriria precedente até para isso: a empregada! oras, mas foda-se! pensei, o sujeito não era louco, talvez sofria de excesso de compaixão, ou felicidade, ou ambos. não há que se recriminar um sujeito por isso! mas vai explicar...
enquanto isso, ele vinha se aproximando implacável, todo rosto lhe correspondia uma oportunidade à pergunta e a posterior consternação lacrimosa: éramos tristes... eu não! tinha boa namorada, acho até que nos amávamos, andamos falando muito em filhos, tínhamos planos; além de um emprego onde podia ter um futuro: era o que todos me faziam crer, ao menos. o sol começava a ficar inexplicavelmente mais quente, fazendo escorrer-me suor pela testa e pela barriga; que diabo de apurrinhação das idéias é essa?! pensei perdendo minha paciência comigo. mas não conseguia chegar a uma conclusão que me parecesse aceitável. tentei me acalmar para clarear as idéias: tenho três opções, convim, fico ou saio; se fico, respondo ou ignoro. pronto, por que não faço o meio termo? fico e ignoro! mas não, eu não sou triste, não tem meio termo, os outros sim que devem ser, sempre me pareceram, mas eu que nunca me pareci, nem creio que aos outros. parece, aliás, que ele está perto demais, - ser ou não ser, então ri, depois me culpei: rir nessas horas, oras! oras por horas, é hora de decidir: comecei a ficar sério novamente.
- você é feliz? ele olhou uns olhos que jesus deve de ter olhado de cima da cruz, - é feliz? insistiu, apontando-me o dedo, e assim ficou: não lhe ignorei, simplesmente olhei nos seus olhos, que é o que me peguei fazendo ainda um minuto depois, durante o qual ficamos ambos paralisados. não sei que me tinha no meu olhar, mas ele não insistiu, ficou parado; não era assustador, como imaginara: era cúmplice, parecia esperar meu sim para vir me abraçar com um pai que encontra seu filho. pode ser, pensei, mas não falei porque ninguém pode ser que seja feliz; feliz ou se é ou não se é. silêncio demais é hesitação, continuei pensando, mas fiz jeito de deixar meu semblante do mesmo jeito durante todo o tempo, o que me demandou algum esforço e me deixava ainda uns segundos sem pensamento. então respondi, muito naturalmente para meu espanto próprio, - sim, sou, emendei com uma mordida na última parte maçuda do pêssego, e respondi de boca-cheia, - por quê?, - porque, ele concordou e disse, - porque..., esperando o complemento.
ainda naturalmente, levantei-me como quem não tem mais tempo para uma conversa, era só um gesto que tentei imitar, e disse, - vai saber, uai, virei as costas, fechei a porta e me soltei meu corpo no primeiro sofá que encontrei, suspirando. no silêncio, ouvi os passos do senhor, uns passos lentos, bobos, e cúmplices do seu próprio silêncio.
a empregada entrou na sala, - que é aí?, como que achando que era assunto para ela. levantei do sofá me dirigindo a ela, coloquei o caroço do pêssego na sua mão e murmurei, - esse povo: cada pergunta!, e virando para ela perguntei, - e você, é feliz?, - ora, senhor! ela respondeu, - só deus sabe!, - então, respondi encerrando o assunto, - ele que tava aí, andou perguntando pra todo mundo; cada pergunta, né não? mas é bom, você já fica avisada, vai vendo aí..., - eu hein, ela resmungou, voltando para a cozinha para jogar o caroço no lixo, enquanto eu ia para o meu quarto, rindo.

a pergunta

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Agenda QSEDQ


eu,
nessa exploração de mim
nesse pó inexplorado
é assim que me exploram
em cima da minha carne
autófaga
cheirando à fadiga
faminta de mim
num apetite aberto pelo mundo
um buraco-negro em plena atividade canibalesca
explorada em si mesma
como um gigante espelho em forma de globo
ou de laranja
e o suco que cai queima
cai em mim ácido
me desfaz de mim mesmo
como amaciante de carne
ou de roupa
fico mais fácil de ser digerido
minha boa digestão.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

uma crônica social

vivia eu no oitavo andar de um prédio, e no décimo primeiro um garotinho que devia ter sete anos. era uma criança com ares angélicos, sorriso sempre vivo combinando com os olhos ingênuos, um cabelo loiro escorrido e curto, roupa sempre aprumada. filho de uma mulher jovem, entre trinta e trinta e cinco anos, e que cuidava do garoto sozinha. não alcancei saber se era mãe solteira ou viúva, pois a jovem senhora, embora de trato sempre simpático, conversas afáveis e cumprimentos de costume, se alguma vez lhe batessem à porta da menos recôndita intimidade, dava jeito de interromper a conversa, se despedindo com a desculpa de um forno ligado. esses seus modos recatados, no entanto, não ofuscavam aqueles sociais, e toda a gente do prédio era unânime em tratar a ela e a seu pequeno com afagos, dispensando ao último alguns doces vespertinos e lembrancinhas no doze de outubro. desde que eles se mudaram para o prédio, quando então o menino devia ter seus quatro anos, a lua-de-mel durou bastante, levando em consideração os efeitos da convivência diária que impõe a vizinhança vertical. terminou, porém.
ocorreu que a criança, já adentrada na primeira séria do primeiro grau, não se sabe se pelas matérias de conteúdo mais avançados ou se pela convivência com novos coleguinhas, essa criança aos mimos oferecia só seu sorriso angelical e às vezes, para deleite das mulheres, chegava a dizer um fresco – muito obrigado – com aquela entonação infantil, essa criança passou a cumprimentar todos que cruzava, seja no elevador, na portaria, no hall de entrada ou no parquinho, dizendo, com a mesma tônica infantil e angelical, as seguintes palavras:
- boceta boa!?
de início os ouvidos duvidaram, espicharam para se certificar do que estavam escutando; foi o primeiro passo para deflagrar uma boataria pelos elevadores, na alta velocidade que de costume correm os boatos – que é um assunto quase metafísico, se já não houvesse a comparação com o fogo e a pólvora. no nosso caso, é verdade, estão ambos separados, e embora o primeiro corroa, o faz no manto da imagem pública, sem causar estragos imediatos na segunda. mas também é verdade que no nosso caso o fogo se espalhou e atingiu a mãe, que passou de virtuosa às mais impróprias desconfianças que o gênio da imaginação humana pode edificar.
- boceta boa!? dizia a criança para rubor imediato das garotas. no meu caso, não entendendo por completo aquele fenômeno, me contentava em espalmar-lhe a minha mão no cabelo escorrido, dar-lhe um sorriso – o qual decorei com o tempo, repetindo-o sempre – e em pensar meia dúzia de coisas que se revezavam nas conseguintes edições do fenômeno.
passado o mês, a situação começou a ficar insuportável, visto que o tratamento à dupla do décimo primeiro andar beirava o desrespeito; o zelador, inclusive, antes freqüente fornecedor de mandioquinha com açúcar para o pequeno, agora não suportava vê-lo, sabendo que o garoto iria pronunciar a frase, demasiadamente forte para seus modos humildes e cristãos.
por parte da mãe não verifiquei grande reação e, se alguma vez achei vê-la vermelha, outras encontrei nos seu olhos o orgulho dos genitores; e tais reações vinham a meter obstáculos na minha tentativa de entender a situação. eu, que sempre tive a impertinência com um dos filhos do meu caráter, irmã da curiosidade, estive à beira de bater-lhes à porta ou enviar-lhes uma carta, de modo que certa vez cheguei a introduzir o assunto, seguidamente ao “boceta boa”, mas a mãe logo saiu dizendo que no forno estava assando um pernil – e ela tinha que ir.
outro fator de complicação era que a criança não falava absolutamente outra coisa senão o “boceta boa”, assim mesmo, pronunciando a primeira sílaba “bo” com gosto; também não escondia certa satisfação, transmitida naquele sorriso infantil, ao ver alguma reação, que invariavelmente causava, no rosto dos obsequiados. tal fato, aliás, motivou um senhor morador do décimo sexto andar, que ouvi à beira da piscina, a dizer:
- pois sabe, sou psicólogo há mais de trinta anos, e já não tenho dúvidas do que esse garoto tem: é uma disfunção psicoverbal precoce, quero dizer, uma disfunção do mecanismo psicológico que trabalha com os sentimentos ligados ao sexo, e que foi de alguma maneira acelerado e agora se manifesta pela forma verbal.
- ah, sim? disse eu. e como isso acontece?
- ah, há diversas maneiras. podemos ver frequentemente casos em que a família tem grande parte da culpa, seja por incutir diretamente essas idéias na mente da criança, seja, por exemplo, por permitir que ela tenha acesso a programas de televisão, jogos, revistas, a informações impróprias para seu estágio de desenvolvimento psicológico. pode ser, inclusive, motivado por herança genética.
- entendi, pode ser, concordei incrédulo. e, ademais, não me achava um absoluto desentendido da natureza humana por não ter sentido verdade nas palavras do psicólogo. no entanto, devo dizer, estávamos eu e ele errados.
certo dia foi convocada uma assembléia extraordinária do condomínio para debater uma solução para o assunto, a qual não sei como deram um jeito de não deixar saber a mãe, e onde pude ouvir opiniões de todo tipo. um advogado propôs a via judicial, apontando uma grande possibilidade de êxito; já o psicólogo, na linha da conversa à beira da piscina, sugeria um tratamento terapêutico; houve também a proposta de se estabelecer uma via pela qual, e somente pela qual, a criança deveria atravessar a área comum do prédio, no caminho apartamento-rua-apartamento, e creio que essa sugestão foi dada por um engenheiro, ou professor; não, me lembro, era engenheiro.
- senhores, é uma medida paliativa, sim, até que o garoto esqueça essas palavras, que ele vai esquecer. e além disso beneficia a todos, pois não causa mal-estar aos condôminos e poupará a criança de eventuais repreensões que poderá sofrer, pois sabemos que a situação já está para lá de insustentável!
daí seguiu-se um falatório, donde multiplicavam-se as soluções; retalhos de umas eram colados aos retalhos de outras, formando-se as mais diversas saídas e não poucas aberrações. ao final decidiu-se que uma comissão formada pelo psicólogo, o advogado e o engenheiro iria consultar especialistas e buscaria algumas dissoluções ao dilema, que seriam votadas dali a uma semana.
porém, no dia seguinte ao da assembléia extraordinária, veio o zelador comunicar a todos, ou melhor, a cada um com quem ele topasse pelas áreas do prédio, que o problema parecia que ia ter fim, sem que o condomínio precisasse tomar medidas mais drásticas.
- uma senhora doutora subiu agorinha pouco para o cento e onze, disse ele afobado com a novidade.
- mas que doutora?
- não sei não, mas quando ela anunciou o motivo da visita, disse que era um nome que eu bem sei que era de doutora, de médica.
a visita da tal doutora se repetiu diariamente durante a semana, o que fez a comissão anunciar que a assembléia da próxima semana havia sido adiada, ainda sem data definida, até que se verificasse os reais propósitos da tal médica e que, inclusive, poderia ser definitivamente cancelada caso o garoto alterasse seu hábito vexatório.
lendo o comunicado que me foi entregue em mão e cujas palavras eram mais ou menos essas, fiquei imaginando quem o teria redigido e apostaria minhas fichas no advogado, embora eu mesmo nunca o tenha descoberto.
o fato é que o tratamento para com a dupla do cento e onze vinha melhorando, tendo em conta que o filho era todo silêncio, para alívio da comunidade condominial. da minha parte, no entanto, embora tenha acompanhado toda a mobilização e dado ouvido a toda gente do prédio, confesso que preferia o garoto de antes, cujas palavras não me tiravam o sono, apesar de as estranharem meus ouvidos. o sorriso do garotinho era meu bom dia predileto e meu regozijo de pureza e ingenuidade no fim do dia, que valia mais que muitas formas de diversão. agora não, agora ele ia jururu; o cabelo era o mesmo, mas os olhos iam baixos, a boca sem expressão, e comecei a ficar preocupado quando vi seu cadarço desamarrado. devo confessar que nesse dia perdi o sono e não dormi, e se não me deu de escrever sobre um cadarço desamarrado era porque a tristeza ou me roubava a energia ou me poupava de um ato escabroso de transformar o abatimento de uma criança de verdade em meu lazer pessoal.
foi no dia seguinte, sob os efeitos nefastos de uma insônia, que resolvi bater à porta de cento e onze. fui resoluto, e resoluto apertei o onze do elevador, e abri-lhe a porta e resoluto toquei a campainha. a resolução aí é o efeito de quando aquelas duas filhas do meu caráter unem as mãos e saem cantarolando a cantiga da benevolência. o ruído do lado de dentro do apartamento creio que causou algum efeito, fez talvez uma das irmãs, não sei qual, hesitar um instante, mas a outra deu-lhe um tranco pela mão e assim manteve-se em mim a resolução intacta. estava a doutora de saída, que me cumprimentou com a voz tranqüila e afável, gestos calmos e foi-se pelo elevador que já estava ali por minha causa.
a mãe, reticente, convidou-me a entrar. entrei. ela era uma mãe comum, cuidando dos afazeres do apartamento, atenciosa, jovem e bonita com seus trinta e dois anos. então vi o garoto, que, sentado no sofá, lia histórias em quadrinhos sem se dar conta de mim – creio que um almanaque de férias, que aquele era o tempo desses almanaques – e o lia em voz alta e aberta, com certo artificialismo em algumas palavras, certo esforço que não consegui compreender de imediato. ela, percebendo meu estranhamento, disse calmamente:
- ele está fazendo aulas de fonoaudiologia. está treinando a pronúncia das letras e das palavras, principalmente da letra “v”. ele tem um problema que os fonoaudiólogos chamam de mal de espanha, porque troca o som do “v” pelo do “b”.
fiquei eu ali abestalhado, aturdido, envergonhado. um pouco por mim e pela minha cumplicidade, mas mais pelos meus cúmplices, cujas maldades agora se refletiam no meu mecanismo de culpa, de silêncio e de aceitação. confesso que senti pena deles, de mim e do mundo, mas não tive pena da dupla do cento e onze; deles tive orgulho. mas eles, dali a pouco mais de uma semana, estavam de mudança para outra cidade. eu sentia algo de ruim toda vez que entrava no elevador, via o onze do andar, olhava os vizinhos, conversava com o zelador, dentre outras coisas diárias que me faziam lembrar o garoto; era a vergonha da cumplicidade que vinha me dar tapinhas no rosto, repreensiva e zombadora. não pude suportá-la por muito tempo, e quando mais tarde me mudei eu também do prédio, o apartamento cento e onze ainda estava vago.

o cento e onze

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Mais diálogos

- mas! devolva-me!
- não seja por isso, está ali.
- olha a tolice, não vejo nada.
- não vê porque me nega.
- então tá; e se lhe aceito?
- não lhe garanto nada de mais, a não ser respostas às perguntas que você fizer, do jeito que você bem entender. o que é uma liberdade e tanto, concorda?
- não sei. você não me devolve e eu não concordo.
- mas você! você está no caminho oposto.
- e por acaso há direção no caminho?
- digamos que a direção é para chegar ao caminho.
- olha, prometo alcançá-la no meio desse caminho, mas agora é sério que preciso do meu tempo.
- veja, se não lhe tiro o chão, a altitude, nem nada, é porque lhe deixo algo.
- por que você quer me ver na miséria?
- muito pelo contrário.
- e eu faria o que sem tudo isso, senhorita einsten?
- como lhe disse, além do sarcasmo, você erra as perguntas.
- me ensine, então.
- não posso, nem consigo. só lhe dou as respostas.
- mas como você tem respostas sem perguntas?
- perguntar não é a minha parte nessa coisa. além disso, justifica eu ter roubado o seu tempo. assim você pode ver que a resposta sempre existiu.
- e a pergunta?

o homem e a quântica

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

sábado, 4 de novembro de 2006

manifesto

*
que pior que ansiedade ou nostalgia é sentir nada - é como estar morto sem fenecer.
que fique registrado: o que se quer é viver; morrer jamais. não ao menos enquanto está-se vivo.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

uma história de amor

no início foi o por quê mudo
o por quê solitário do desejo
que desejou outros por quês
por quês de agora e de futuro
por quês de meio, por quês de beijos
por quês de olhares tristes e felizes
por quês medrosos do fim
mas no fim não sobram por quês
porque no fim só existe você

terça-feira, 31 de outubro de 2006

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

opção (fotopoema ou poema fotográfico?)






























fotos e edição: marco e joão pedro

sérietransportese
+
sériemetalinguísticas

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Então é isso? (A notícia* presenciada)

É começo de noite, estou subindo a alameda Campinas e, ao cruzar a Lorena, passa por mim um sujeito correndo. Quem será que ele deve ter assaltado, penso em humor negro e, em seguida, me arrependo levemente do preconceito. Alguns metros à frente vejo um burburinho e, ao me aproximar, um garoto de uns 10 anos está sentado no canteiro de uma árvore. Ele está em choque, não chora, não fala, só tem os olhos arregalados de um susto que permanece nele. Quando perguntam se ele levou um tiro, vejo na sua camiseta branca um buraco grande um pouco abaixo do peito esquerdo, muito sangue, nenhum buraco e nenhum sangue na parte de trás da camiseta, mas muito sangue na bermuda e nas pernas. O garoto olha para o nada, olha para o buraco na camiseta, e volta a olhar para o nada, que é para onde devem olhar os apavorados. Ele tem os braços levemente levantados e as mãos espalmadas no ar, com as palmas voltadas para o buraco; as mãos deviam dizer "what the hell?!" ou "então é isso?!". A mãe, ou uma mulher que estava ao seu lado, responde que sim, ele foi baleado, e talvez seja a única coisa que ela saiba responder naquele momento. O garoto tem a boca levemente aberta, como se aquele buraco mantivesse seu espanto vivo; mas o espanto ficará na memória do garoto, que aos 10 anos saiu de casa, talvez para comprar picolé na padaria, e levou dois tiros, nenhum deles com atirador conhecido. Talvez um passou ao meu lado correndo.
* FSP (25/10/2006) Tiroteio fere garoto na alameda Campinas
Policiais militares trocaram tiros com acusados de roubar um carro na noite de ontem; garoto, de 10 anos, não corre risco de morteDois dos quatro criminosos foram presos; ainda não se sabe se tiros que acertaram a criança partiram das armas dos PMs ou dos ladrões
DO "AGORA"
DA REPORTAGEM LOCAL
Um menino de dez anos levou dois tiros durante um tiroteio entre policiais militares e assaltantes de carro, na noite de ontem, na alameda Campinas, nos Jardins (zona oeste de São Paulo). Ainda não se sabe se os tiros que acertaram o garoto partiram da arma dos policiais ou dos criminosos.O menino Diego foi levado pela PM ao Hospital das Clínicas e não corre risco de morte. As balas lhe atingiram a perna direita e o tórax. Até o fechamento desta edição, médicos avaliavam se ele teria de passar por uma cirurgia.O assalto ocorreu a poucos metros do local do tiroteio, na esquina da alameda Jaú com a avenida Brigadeiro Luís Antônio. Por volta das 19h30, dois homens -um deles armado- abordaram a dona de um Fox e a obrigaram a deixar o veículo. A vítima, que não quis se identificar, disse que, logo depois, pegou um táxi, que passou a perseguir o Fox. No caminho, o táxi cruzou com PMs, e o taxista lhes contou sobre o ocorrido.Segundo a polícia, havia quatro homens no Fox quando o carro foi abordado, e um dos criminosos saiu atirando. Na troca de tiros, Diego, que ia com a mãe para casa, nas proximidades, acabou ferido.Dois dos criminosos, que não estavam armados, foram presos e encaminhados ao 78º DP. Outros dois conseguiram fugir.As armas dos policiais envolvidos no tiroteio serão levadas à perícia, que irá investigar se os tiros que acertaram o garoto partiram delas.Policiais civis do 78º DP não quiseram dar informações sobre o caso. Oficiais da PM presentes no DP também se recusaram a falar.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

culpa


eu não
é o meu nariz que gosta de ser
cutucado











foto: marco

terça-feira, 17 de outubro de 2006

-

mar, venha
-
molhe-me os pés
-
retire meu chão
-
molhe-me o chão
-
retire meus pés





foto: joão pedro

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

constelação urbana


sérietransportese

fotos: jõao pedro e marco

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Foi publicado na Cult, mas faltou... (Parte 1)

homem de sorte

trouxe do céu seu último sonho
on-line, sem delay
se fez de inteligente
pensou, foi ator e bacharel
porque na vida a gente é assim
pensa, reflete, imita que sente
até mente um não-sei de quem duvida
mas sabe
que há morte onde há guerra
mas luta
que tem sorte quem se assanha
mas reza
que a dor do amor consome
mas ama
que fast-food é medonho
mas come
que imaginação é hollywood
mas sonha

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

o aviso

havia uma proteção de metal isolando os dois homens à beira do bueiro, provavelmente auxiliando alguém ali embaixo. eles pareciam um tanto desnorteados e olhavam para o buraco com cara de preocupação. deviam trabalhar, deviam não, trabalhavam para a nova concessionária de telefone da cidade. ao menos era o que dizia a frase no furgão estacionado logo antes do bueiro onde eles estavam: teleterra, seu novo telefone chegou. enfim, era dia de calor forte, de suar às bicas. a rua tinha um trânsito intenso, algumas pessoas passavam pela calçada quase interditada pela obra. os homens ali, se entreolhando, conferindo o colega lá embaixo e comentando a situação. o porteiro do prédio que dava de frente para o acontecido já havia se achegado e demonstrava preocupação: os homens falavam que havia perigo de explosão. explosão! pensou o porteiro. é melhor eu avisar o seu andré. porém resolveu ficar um pouco e saber mais sobre o que se passava. o homem que estava ali embaixo, na instalação dos equipamentos novos, acertou por acidente uma tubulação de gás de cozinha; começou a vazar. verdade que era pequeno o vazamento, mas também que era gás. os homens acharam um jeito de remendar o cano, o que entretanto não duraria muito. estavam ali, preocupados, e sem fazer muito para resolver o problema. o porteiro, demonstrando ser o mais aflito e preocupado de todos, não demorou a chamar os bombeiros. esqueceu o seu andré e, consultando uma lista telefônica que alguém não havia pego na portaria ainda, ligou também para a companhia de gás. da portaria achou que estava mais seguro e foi onde resolveu ficar até os bombeiros chegarem. vieram rápido, naquela região não há muita chamada e eles quase sempre não têm muito trabalho. viram a situação e acharam prudente interditar a rua; logo veio a companhia de tráfego para cuidar da situação. a caminhoneta da concessionária de gás demorou ainda um bocado para chegar, depois de muito os bombeiros terem visto que nada poderiam fazer, só mesmo a companhia de gás para resolver. ali os dois técnicos da companhia de gás fizeram uma "prospecção do incidente" e concluíram que, realmente, o cano deveria ser reparado urgentemente, mas para isso teriam que quebrar outros canos, o da água e o da tv a cabo. o porteiro do prédio, ainda protegido na sua guarita, mas com os olhos e os ouvidos no que já era uma pequena multidão em frente à garagem do prédio, resolveu ligar para o pessoal da tv a cabo. já o pessoal do departamento de água chegou sem o porteiro saber quem chamou, e foi logo antes dos da tv a cabo, que também oferecia serviços de internet. ocorre que havia uma certa rixa entre a empresa de telefonia e a de tv a cabo, inclusive dos times de futebol dos seus funcionários, afinal ambas ofereciam acesso à internet e vinham brigando ferrenhamente pelos clientes, novos ou da concorrente. reconhecidos os funcionário da tv a cabo, os da telefonia começaram a insinuar que eles não tinham o que fazer. e os da tv, tomando conhecimento que foram os do telefone que iniciaram toda aquela confusão, começaram a formular piadinhas indiretas, que foram se transformando em algo muito próximos a agressões verbais. daí para um empurra-empurra foi pouco mais que um minuto. assustado, o porteiro do prédio resolveu chamar a polícia, porque aqueles técnicos brigando ali, com todas aquelas ferramentas, e um cano de gás prestes a explodir, não poderia dar boa coisa. enquanto não chegava a guarda policial, subiu do bueiro um técnico, que pareceu ser do departamento de água, dizendo que seria algo grande, mas que poderia ser resolvido; e que deveria ser chamado o pessoal do departamento de esgoto. após um protesto tímido, questionando se esgoto e água não eram a mesma coisa, todos cercaram o pobre técnico, que, com a ajuda do outro, tentavam explicar que eles não podiam mexer com esgoto, nossa responsabilidade é com água! bradavam convictos. esgoto é outra coisa, não tem nada a ver! chegaram então os polícias e, vendo aquela confusão de amontoado de técnicos e fardas, foram esbarrando e abrindo caminho em direção ao centro do grupo. no centro do grupo, no entanto, além dos técnicos da água, estava o bueiro aberto. foi onde caiu o primeiro policial, que quase levou o segundo; saldo: dois feridos. o polícia que caiu quebrou o pé e sofreu muitos arranhões. o que ficou se deu pior, pois ao ser puxado pelo que caía, foi com o braço dentro do bueiro, e a cabeça ficou para fora. ou seja, ficou desmaiado, escorrendo sangue pela cabeça. vendo o ocorrido, os bombeiros pediram que abrissem, que dessem espaço. eles não eram os bombeiros treinados para resgate de feridos, mas providenciaram os primeiros socorros e resolveram chamar uma ambulância do hospital dos servidores públicos. o problema foi que o hospital era dos servidores municipais, e não podiam prestar serviço para servidores estaduais, como eram os policiais. então chamaram a ambulância dos servidores estaduais. claro que, nesse meio tempo, os dois policiais estavam já acomodados na calçada, onde havia uma pequena sombra, e o pé quebrado até falava no celular com a mulher sobre as férias que iam tirar quando ele pegasse sua licença. o outro seguia desmaiado. chegou uma ambulância, que foi insuficiente pois só suportava um ferido. então chamaram outra, não se soube quem, nem se soube de que servidor, mas que levou o outro policial para algum lugar que não se soube onde. também não se soube da onde chegou um fiscal da sub-prefeitura, que queria informações acerca da obra que estaria sendo realizada ali, e de outro fiscal, o da prefeitura, que também queria informações, mas mais precisamente o alvará. que alvará? perguntou alguém. oras, o alvará! exclamou o impaciente fiscal da prefeitura, que foi imediatamente apoiado pelo da sub-prefeitura. depois de un cinco minutos de discussões, teses e acertos, chegou um advogado com um estagiário, que foram conversando com todos por ali. diziam que iam "impetrar um mandado de segurança com pedido de liminar para garantir a realização da obra". essa possibilidade, é certo, causou certo alvoroço em todos, com exceção dos dois fiscais, que, percebendo estarem em esmagadora minoria, acharam por bem chamar também a guarda civil metropolitana para protegê-los de eventuais agressões. o da prefeitura parece que também chamou um procurador do município, para que ele esclarecesse as questões jurídicas que os advogados haviam mencionado. o da sub-prefeitura, não se sabe, mas pode ter sido ele quem chamou o sub-prefeito em pessoa, que aproveitou a ocasião para fazer sua campanha para prefeito; as eleições seriam para dali a dois meses. quase simultaneamente à chegada do sub-prefeito com alguns correligionários, bandeirinhas e santinhos, se instalou ali uma barraquinha humilde, de madeira e painéis de plástico, vendendo tapioca, passes de ônibus e pilhas alcalinas, e outro que trazia uma caixa de isopor remendada com fita marrom e vendia suco de laranja em garrafa, refrigerantes em geral, água e cerveja. aquele sol quente fez seus preços aumentarem, assim como seus lucros, e a fome dos que ali estavam há algumas horas, fez o da tapioca mandar buscar mais polvilho. formou-se uma pequena fila, com senhas distribuídas, para comprar os alimentos e as bebidas, e como a fila era a mesma para ambos, houve muita reclamação de quem queria comprar só bebida, ou só comida. mas a fila seguiu. outra se formava, para desespero dos agentes da companhia de tráfego. a rua já estava interditada há algum tempo, em ambas as esquinas do quarteirão, mas os moradores dos prédios daquele trecho insistiam em ultrapassar as barreiras da companhia e tentar alcançar as respectivas garagens, buzinando para abrir caminho pela multidão. a situação piorou um pouco quando um morador, que vinha dirigindo um carro antigo, de coleção, parece que acelerou demais e, com o calor, fundiu o motor; a fumaça causou um princípio de confusão, mas logo estavam todos esclarecidos. o porteiro do prédio estava tratando de escrever em pequenos pedaços de papéis, com a sua letra de quase-analfabeto, as razões do inconveniente daquele dia, para distribuir para os moradores; já tinha visto o seu andré fazer isso algumas vezes, quando o elevador parava ou quando trocaram o motor do portão da garagem. ele estava com o olhar perdido, sentado na sua guarita, imaginando o que escreveria, quando viu a fumaceira do carro. e tendo sido mecânico em uma oficina antes de virar porteiro, resolveu telefonar para o seu ex-patrão. ô senhor! tem um serviço aqui na minha rua, manda o pessoal aqui. dez minutos depois chegaram três guinchos para socorrer o automóvel, mas demoraram mais de meia hora para resolverem quem iria realmente prestar o serviço e outra para o escolhido conseguir chegar ao automóvel fundido. as ruas que davam para rua do prédio já estavam congestionadas e os agentes da companhia de tráfego tiveram que chamar reforço e estudavam interditar um raio de dois quarteirões do incidente. foi quando voltou o advogado dizendo que conseguiu despachar com o juiz e que em poucos minutos chegaria o oficial de justiça com o ofício. logo ele se reuniu com o procurador do município num canto, o mesmo que os policias haviam sido acomodados, para conversarem sobre o caso, trocaram cartão, identificaram conhecidos em comum e o advogado chegou até a propor uma sociedade, a que o procurador respondeu dizendo que teria muito o que pensar. não se sabe como os repórteres demoraram tanto a chegar. esses jornais sensacionalistas ficam de prontidão para os acontecimentos de menor importância, que no final eles conseguem tornar em algo realmente grande. aqui não era o caso; o ocorrido tomara tamanho por si só. na transmissão ao vivo, estilo partida de futebol, o repórter logo partiu para entrevistar o porteiro. o senhor pode nos contar o que aconteceu? sim, senhor. aconteceu que a dona ivete do 62 assinou esse serviço novo aí de telefone, como se precisasse falar com alguém. o marido dela já foi embora faz tempo e a gente aqui do prédio sabe que ela não ocupa de jeito nenhum o telefone, esperando o homem ligar. aí apareceram uns homens para colocar esse novo telefone para a dona ivete e deu nisso tudo. o repórter se deu por satisfeito e passou a palavra para os estúdios, justamente quando chegou o oficial de justiça para dar ciência da liminar ao fiscal da prefeitura. esse, por sua vez, liberou a obra no bueiro. foi alívio geral. o povo comemorou, alguns até ensaiaram uns aplausos e gritos de justiça seja feita, algum buzinaço inclusive. o clima amistoso havia contaminado quase todos; o porteiro é que não estava lá dos mais contentes. a garagem continuava bloqueada, o prédio sem gás, água ou esgoto. o telefone também há muito estava mudo; para chamar alguém só com interfone ou celular. e o pior de tudo, ainda não sabia o que escrever no papel para distribuir e afixar no elevador. caminhou com cara de intrigado e os olhos fincados na ponta do nariz que apontava ali para o burburinho; esperando que alguém lhe explicasse o clima de comemoração, jogou para o alto um e aí, quê vocês resolveram? alguns olharam com cara de desentendido ou desinformado, também se perguntando a mesma coisa, mas a maioria mesmo preferiu não dar ouvidos. ele voltou para a portaria e resolveu escrever o aviso.

texto: joão pedro e marco
fotos: joão pedro

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

foto;montagem ou foto:montagem

foto da foto: marco e joão pedro
série metalinguísticas

terça-feira, 26 de setembro de 2006

metáforas fotográficas, um pleonasmo?

série transportese
+
metalínguísticas

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

de mote a foto do marco

meus dedos pegaram
não deixaram meu braço abaixar
foi a cola de um povo rendido
de um bandido que não me deixaram
o braço abaixar

foi um adido cultural
uma operação militar
que fizeram meus dedos pegar

as propagandas eleitorais
a fila do embarque
as setas de contra-mão
o amor à pátria
me botaram o braço de pé

uma lista grande
com fila de espera
fincaram meus pés no chão
e meteram meu braço de pé

terça-feira, 19 de setembro de 2006

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

um texto que pensa - e é autobiográfico

aula de gra’mática ou gram’ática:?*
estava escrito, segundo anastazi, todo os jornais de domingo permaneciam na porta da casa do coronel, e eu pensei, todo? ‘o jornal agora deu pra publicar com erros’, então leio e releio a sentença, o parágrafo. todo? “todo”, “todo”. todo... “todo!? sim, ‘que tipo de pessoa escreve nesse “todo” estilo?’, “todo”. ‘“todo os jornais permaneciam na porta”’. permaneciam? por que não era permanece, ‘o jornal permanece’? será que no “todo” estilo a regência do verbo era ‘n”os jornais”’? ‘regência verbal’. sujeito. ‘minhas aulas de gramática na infância’. infância**. anastazi fora assessor do coronel. ‘esse anastazi deve ser um sujeito frio que deixou o corpo no chão frio da cozinha’. não, estava na cama, com uma toalha em cima do único furo no peito. “crime passional”, ‘anastazi não’, anastazi frio não deixaria as coisas assim, mas no chão da cozinha***. diacho, onde deixei aquelas aspas, me perguntei. esse objeto é maior que eu imaginava, fecha’spas ou fech’aspas?.

* a felicidade está. onde:, está?.


um pensamento lento: ** alguma estruturas úteis são atuais. e errado.

outro: *** esta história tem três personagens. como seria isso um trava-línguas?


**** a música:

eu já não sei mais se esse não é sim
ou se esse sim assim é não...
outra:
pra quê trocar o sim por não
se o resultado é solidão?
série metalinguísticas

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

trovão

trovão caiu no chão
ão, ão, ão
cachorrão comeu o trovão
chuva apagou o trovão
e o fogo apagou a chuva
caiu uma nuvem
uma pessoa encostou na nuvem e se queimou
uma pessoa pegou o travesseiro com pernas, com olhos,
com mãos e com cara e aconteceu uma coisa
apareceu uma caveira no quarto do menino!!


Obs.: Este é um texto do meu primo Dudu, ele faz 6 anos na semana que vem.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

reedições repensadas

nós

muitas vezes fui interpelado
já sabia algumas vezes a resposta
à morte cabia a vida como consorte
e à compaixão a mão do pecado

ora fugia do dragão
ora sorria para a serpente
choraram onze tentos por mim
pequei trinta e dois então

choramos como nós
vivemos de fome e risos
em círculos pelo pó

atado à minha sombra
sigo homem alado
homem vivo de fome

quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Jam Sessions

Interessante. Jam sessions de música e poesia, Cronópios.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Sugestão de uma leitora e, de certa forma, uma reedição





A maior dor do vento é não ser colorido.
Mario Quintana

sábado, 26 de agosto de 2006

A origem da noite - nheengatu/português

Ipirungáua ramé inti maan pituna, ara anhó opaim ara pupê. Pituna okéri oikó y repipe. Inti mahá sooetá opaim mahá onheen.
Boiaussu membira ipahá oiumendare iepé curuminussu irumo. Quahá curuminussu orekó mossapira miassua caturetê.
Oiepé ara upé ocenoim mossapira miassua onheen aetá supé:
-- Pecoim peoatá, xeremirecó inti okéri putári ce irúmo.
Miaussua ossô ana.
Aramê ahê ocenoim xemirecó okéri arama ahê irúmo. Xemirecó ossuaxára:
-- Inti raim pituna.
-- Inti mahá pituna ara anhum.
-- Xe ruba orekó pituna. Rekéri putári ramé xe irumo remundu paimo ahé paraná rupi.
Ahé ocenoim mossapira miassua, xemirekó omundu aetá i ruba oca pýri. Ossó opiamo arama iepé tucumã rainha.
Aetá ocyca ramé Boiaussu oca upé, quahá omehee aetá oiepé tucumã rainha oiucikinau reté, onheen:
-- Kussukui ane rerassó tenhé curi pe pirári... Pepirári ramé pecanhyma curi.
Miassua ossó ana, ocenu teapu tucumã rainha pupé: ten-ten-ten-ten, xi-xi-xi-xi... Aicoreme teapu jaky sapo pupé baê onhengara pituna bo. Oatassaba ojepotámo igapucábo popyatã.
Assapyá nheranacábo xeretaetê aan amoiirê, apu cuaba aicoreme apó baê, nhemonoonga sui igara pupê paum monhanga tatá moycu breu oiucikináu rainha baê. Moputuna atãrupi opá.
Pituna semãorecô tukumã rainha suí. É nhé ui, ocamenduara mõ pupê, ocuabámo mojaboéra baê iraarõ angaetê okéri supê. Boiaussu membyra ucuara onheen:
-- Irabámo pituna; orossô é nhé arõ coema.
Tradução

No princípio não havia noite, somente dia todo o tempo. A noite adormecida estava no fundo do rio. Não havia animais, todas as coisas falavam.
A filha do Cobra-Grande, dizem, casou-se com um rapaz. Este rapaz tinha três excelentes criados.
Um dia ele chamou os três criados e lhes disse:
-- Ide passear, minha mulher não quer dormir comigo.
Os criados foram.
Então ele chamou sua mulher para dormir com ele. Sua mulher respondeu:
-- Ainda não é noite.
-- Não há noite, só dia.
-- O meu pai tem noite. Se quiseres dormir comigo manda buscá-la no rio.
Ele chamou os três criados, sua mulher os mandou à casa de seu pai. Foram buscar um caroço de tucumã.
Quando eles chegaram na casa do Cobra-Grande, este lhes deu um caroço de tucumã bem fechado e disse:
-- Aqui está, levai, mas não o abri... Se o abrirdes, perdê-lo-eis.
Os criados foram, e ouviram o som dentro do caroço de tucumã: ten-ten-ten-ten, xi-xi-xi-xi... Era o barulho dos grilos e sapos dos que cantavam noite pela. A viagem continuaram remando forte.
De repente não mais suportando a curiosidade, para saber que barulho era aquele, reuniram-se no meio da canoa, fizeram fogo e derreteram o breu que fechava o caroço... Tudo escureceu violentamente.
A noite tinha saído de dentro do caroço de tucumã. Nesse instante, longe, lá na cabana nupcial, os que esperavam as sombras para dormir souberam que o caroço fora aberto. A filha do Cobra-Grande, ofegante, disse:
-- Eles soltaram a noite; vamos agora esperar o amanhecer.
Fonte e outros textos em nheengatu/português: http://www.tupi.cafewiki.org/index.php?nheengatu%3A%20textos

um diálogo com deus

- tá foda.
- então retorna.
- não, não, tô de boa aqui.
- reclamas do que, meu jovem?
- cê fala esquisito, hein tru...
- é como ouves, humano.
- ixi, mano, facilita.
- desisto.

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

A vanguarda brasileira

Não, o QSEDQ não está virando site político-ideológico. Aliás, o QSEDQ não é site de nada, o que o faz genuína e destemidamente brasileiro, sem sê-lo. Estou um pouco confuso hoje, prossigamos. Notícia da FSP de hoje: "EUA liberam pílula do dia seguinte sem prescrição médica". Isso prova, mais uma vez, o que venho defendendo: o Brasil não é país de formalidades e sistemas, ou melhor, seu sistema é o das não formalidades. Ou algo assim, vocês entendem, leitores espertos.

Um acerto

Ok, não pedimos muito. Vamos combinar o seguinte. Não queremos que o Brasil vire uma Suíça, onde tudo é certinho demais, mas do jeito que está aí é foda. Então vamos fazer um acerto. Os bandidos podem continuar sendo filhos-da-puta, inclusive políticos, não temos problemas com isso. Mas vamos manerar, não é? Um pouco de aventura, de falta de segurança, isso é bom para animar a vida, como diz aquela historinha do tubarão que os japoneses colocam no tanque dos barcos pesqueiros para manter os peixes frescos. Mas o tubarão come só alguns, a maioria, o substancioso dos peixes fica vivo. Então, como disse, vamos pegar mais leve. Quem sabe conseguiremos chegar num ponto que só a ameaça é suficiente? Funcionará mais ou menos assim, vocês enviam uma petição para uma Comissão Especial de Manutenção da Energia Vital, algo assim, mas notem que é "especial". Então se a tal Comissão, formada por lideranças da sociedade, estudiosos renomados, representantes das entidades de classe e do Poder Público, se a tal Comissão julgar que a ameaça apresentada é realmente digna, ou seja, atinge o objetivo de manter a população viva, então ela direciona uma verba para os ameaçadores. Assim ficam todos satisfeitos e ameaçados. Chamo a atenção dos candidatos a ameaçadores que não seria mais necessário correrem risco de traficar ou cometer outros atos criminosos, uma vez que a ameaça será tida como não só lícita, mas também essencial para a sociedade brasileira. Agora, também haverá instrumentos para conter aproveitadores, porque seria inaceitável que pessoas que até então eram as ameaçadas passem a almejar o posto de ameaçadores. Então os ameaçadores seriam cadastrados e suas ações acompanhadas pela Comissão; esta percebendo que o ameaçador não corresponde aos anseios da população, terá poder de destituí-lo de tal cargo e, no caso de insistência, inclusive ordenar sua prisão. Será como um controle da concorrência ao contrário, mas com economistas e tudo mais para calcular o nível exato de ameaça que o povo necessita para continuar cantando e dançando. Ô povo bonito!
PS. Devo esta idéia à recente aparição da jovem austríaca, seqüestrada há oito anos. Na notícia da FSP, diz-se que os moradores, ao verem uma jovem chorando num jardim, chamaram a polícia. No Brasil seria mais provável que mandassem ficar quieta ou que um bêbado quisesse se aproveitar da situação para comer mais uma...rs

Outra utopia - LANÇAMENTO DO QSEDQ

O que vocês acham da cena: um fronte de batalha urbano no Oriente Médio; rajadas cruzando as ruas, granadas explodindo; então se ouve um bum-bum-bum, que vai chegando perto e quanto mais perto chega mais se ouve outros trás-trás-trás e tec-tec-tec; os soldados param e olham para o lado que vêm aqueles sons: é um trio-elétrico com seus dois mil foliões pela avenida principal do árido vilarejo. Que fariam os soldados? É outra utopia, não?
Vamos lançar o OrienteFolia 2007? Ou CarnaMédio 2007? É de se pensar, mas vamos contar com os poderosos lobbies das micaretas, das bebidas alcóolicas e dos lança-perfumes.
É isso, o QSEDQ lança o Projeto Micareta do Osama! Ou seria Micareta do George? Putis, preciso de ajuda.
Outra, os camarotes, onde serão?
Para finalizar, os cordeiros serãos os cotonetes da ONU...
PS. Tive outra idéia, vamos lançar também a Picareta Eleições 2006 - O seu voto nulo vale duas cervejas ou um drink.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Voto Nulo - Isso sim é utopia

Na verdade eu tinha pensado em escrever um texto cheio de argumentos, mas desisti, por motivos que também desisti de escrever. Além do mais, este site é lido em média por 6 pessoas por dia, sendo que 4 lêem frequentemente e 2 são perdidos que o encontram por acaso (ver postagem anterior). Desses 4, eu sou um geralmente, e se o Marco fosse o outro, sobram dois. Não vou escrever um texto sobre política para três pessoas, nem fudendo. Sei, é um atentado contra nossa democracia, todos têm importância. Tá bom. Democracia não funciona e provavelmente nunca vá funcionar, pelo menos não neste país, é um sistema burro por demais. O que também não significa que outro sistema que está por aí também vá. Acho que nada que já foi inventado funciona aqui, mas o fato é: eu é que não vou apoiar nada. Mamãe e papai me ensinaram, se não é para ajudar, não atrapalhe. Confesso que simpatizo com algumas idéias, como uma eleição por loteria, onde cada voto fosse um bilhete para seu candidato concorrer na loteria que escolheria o eleito (http://www.votosnulos.blogspot.com/). Mas é só simpatia, está longe da esperança e desconhece absolutamente qualquer proselitismo. Como já disse para alguns amigos, o Brasil está muito podre, na extensão e na profundidade. Resumindo, eu vou é votar nulo, em prol de um novo sistema, um sistema genuinamente brasileiro, finalmente! Seria bonito, não?, sair nos jornais do mundo que a eleição no Brasil já foi anulada três vezes porque a maioria dos votos foram nulos, e as pesquisas indicam que isso vai continuar se repetindo. Que Che Guevara? Que Tropicalismo? Que Cuba? Que nada! Isso sim é utopia.

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

quesabemosnós?

sonho

o pai sente fome
e raiva
como o filho
que mata um homem de lata
marido da boneca da irmã
boneca ninada carinhosamente
e cortada
um aborto clandestino
a mãe está no culto
pedindo pelas suas vontades
e as dos seus semelhantes

a casa vive à solta

um ser sem tamanho dorme
eternamente à parte do tempo
imune ao calor e ao frio
à caça e ao caçador
e sonha
um sonho chamado humanidade

Expressões que levam um leitor perdido ou sem rumo ao QSEDQ

queseieudoque
rubrica teatral
avião poesia
que sei eu do que serei fernando pessoa
cagarola
afeto etimologia
petição incial buraco negro
eu quase que nada não sei. mas desconfio de muita coisa
passaporte servio
tamanho da sepultura
fotos carol volpe
contos folcloricos

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Chefe Seattle ao Governo Americano

O Presidente, em Washington, informa que deseja comprar nossa terra. Mas como é
possível comprar ou vender o céu, ou a terra? A idéia nos é estranha. Se não
possuímos o frescor do ar e a vivacidade da água, como vocês poderão comprá-los?
Cada parte desta terra é sagrada para meu povo. Cada arbusto brilhante do pinheiro,
cada porção de praia, cada bruma na floresta escura, cada campina, cada inseto que
zune. Todos são sagrados na memória e na experiência do meu povo.
Conhecemos a seiva que circula nas árvores, como conhecemos o sangue que
circula em nossas veias. Somos parte da terra, e ela é parte de nós. As flores
perfumadas são nossas irmãs. O urso, o gamo e a grande águia são nossos irmãos. O
topo das montanhas, o húmus das campinas, o calor do corpo do pônei, e o homem,
pertencem todos à mesma família.
A água brilhante que se move nos rios e riachos não é apenas água, mas o sangue de
nossos ancestrais. Se lhes vendermos nossa terra, vocês deverão lembrar se de que
ela é sagrada. Cada reflexo espectral nas claras águas dos lagos fala de eventos e
memórias na vida do meu povo. O murmúrio da água é a voz do pai do meu pai.
Os rios são nossos irmãos. Eles saciam nossa sede, conduzem nossas canoas e
alimentam nossos filhos. Assim, é preciso dedicar aos rios a mesma bondade que se
dedicaria a um irmão.
Se lhes vendermos nossa terra, lembrem se de que o ar é precioso para nós, o ar
partilha seu espírito com toda a vida que ampara. O vento, que deu ao nosso avô seu
primeiro alento, também recebe seu último suspiro. O vento também dá às nossas
crianças o espírito da vida. Assim, se lhes vendermos nossa terra, vocês deverão
mantê-la à parte e sagrada, como um lugar onde o homem possa ir apreciar o vento,
adocicado pelas flores da campina.
Ensinarão vocês às suas crianças o que ensinamos às nossas? Que a terra é nossa
mãe? O que acontece à terra acontece a todos os filhos da terra.
O que sabemos é isto: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra.
Todas as coisas estão ligadas, assim como o sangue nos une a todos. O homem não
teceu a rede da vida, é apenas um dos fios dela. O que quer que ele faça à rede, fará
a si mesmo.
Uma coisa sabemos: nosso deus é também o seu deus. A terra é preciosa para ele e
magoá-la é acumular contrariedades sobre o seu criador.
O destino de vocês é um mistério para nós. O que acontecerá quando os búfalos
forem todos sacrificados? Os cavalos selvagens, todos domados? O que acontecerá
quando os cantos secretos da floresta forem ocupados pelo odor de muitos homens e
a vista dos montes floridos for bloqueada pelos fios que falam? Onde estarão as
matas? Sumiram! Onde estará a águia? Desapareceu! E o que será dizer adeus ao
pônei arisco e à caça? Será o f im da vida e o início da sobrevivência.
Quando o último pele vermelha desaparecer, junto com sua vastidão selvagem, e a
sua memória for apenas a sombra de uma nuvem se movendo sobre a planície...
estas praias e estas florestas ainda estarão aí? Alguma coisa do espírito do meu povo
ainda restará?
Amamos esta terra como o recém nascido ama as batidas do coração da mãe. Assim,
se lhes vendermos nossa terra, amem na como a temos amado. Cuidem dela como
temos cuidado. Gravem em suas mentes a memória da terra tal como estiver quando
a receberem. Preservem a terra para todas as crianças e amem na, como Deus nos
ama a todos.
Assim como somos parte da terra, vocês também são parte da terra. Esta terra é
preciosa para nós, também é preciosa para vocês. Uma coisa sabemos: existe apenas
um Deus. Nenhum homem, vermelho ou branco, pode viver à parte. Afinal, somos
irmãos.

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

reedições repensadas IV

dor, tempero do sal
marco e jp cilli

De repente
Saio à rua
A tua procura

O sol me queima o corpo

Do peito entupido
Do coração engasgado
As lágrimas me vencem os olhos
Derramam-me à boca
Que o suor encontra no rosto

Não posso te encontrar
Gosto de você

terça-feira, 15 de agosto de 2006

era uma esquina torneada em roda, ao que acompanhava o prédio e o portão de aço cinzas, o primeiro andar alto, e seguiam-se todos para os dois lados, com o abraço da calçada regular e do horizonte da rua. uma senhora de yves saint laurent cor de rosa-claro fincava seu salto doze vermelho ao pé do portão cinza, firmando na mão um chapéu de plumas rosas e de cabeça para o chão e apoiando o cotovelo da mão que firma na mão encostada ao corpo. é assim que ela e o dinheiro que está dentro do chapéu permanecem. ela se conserva durante algum tempo, algumas semanas ou alguns dias. um homem que passa deixa-lhe uma nota, uma velha deixa uma moeda e houve até uma criança que um dia lhe trouxe uma matula, e está tudo ali. a expressão da mulher mantinha-se naturalmente a dela, que era bonita, sem sorrir mas não séria, o cabelo em coque restando alguns fios na altura média da testa, umas mechas negras que faziam a pele clara manter-se natural, uma mecha formada por duas madeixas, a mais grossa em cima, separadas por um clarão finíssimo da pele clara. ela permanece com o pulso derrubado na linha do horizonte, o dedão como apoio de cima e o indicador como o principal encosto de baixo, mas também contava com a sorte que era a firmeza do entorno do chapéu, da aba aramada, onde se pressionando mais de um lado consegue-se sustentar toda a roda. o que não se alterava tampouco com o peso do dinheiro, que não pesava para o chapéu nem para o pulso levemente derrubado. umas veias saíam da mão, eram espremidas no pulso e seguiam pelo corpo para o coração, os olhos seguiam com seus cílios espetados, redondos, sobrancelha feita cujo fim caía em curva para acompanhar a forma do rosto, que era belo e redondo. ao seu lado, no portão havia uma camada de poeira e atrás a meada do coque havia desenhado uma limpeza aleatória com pincéis finíssimos, que não se movem com os barulhos dos carros que dirigem pelo seu horizonte direito nem pelo aviso de uma promoção em uma loja à sua esquerda. se movem com o vento, que um dia traz um senhor de calça de brim bege e camisa xadrez de algodão aveludado, sapatos de couro marrom bem lustrados e um chapéu de feltro bege-escuro. aproximando-se naturalmente o homem com seu chapéu na mão, de cabeça virada para baixo, deita-lhe a mulher o dinheiro do seu chapéu no dele, coloca-o, ajeita-o e sai como que olhando o relógio que não tem. o homem se vira de costas para o portão cinza, espalma a mão na cabeça do chapéu, seus cabelos colados à testa e sua outra mão no bolso. outros senhores, outras idosas e outros pequenos vão lhe deixar alguma coisa, aquela nota, aquela moeda e aquela matula, que poderá ser um sanduíche ou um apanhado de arroz com frango. mas um cão que anda por ali, de rabo abanado e língua de fora, vai sentar ao seu lado, coçar as orelhas, respirar ofegante e olhar no mesmo horizonte que o homem aponta o chapéu.

a esquina

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Link

Site interessante para encontrar textos, imagens e outros documentos em domínio público: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

domingo, 13 de agosto de 2006

Expressões

Serendipidade literária
Serendipidade bibliográfica

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

josé, gritei

josé
me acuda, josé
ela me enganou
vingou sua ilusão
sua ilusão, josé

josé
me ajuda, josé
ela me iludiu
com um não de última hora
na última hora, josé

josé, gritei
ele ocupado com o agora
vem me responder
joão

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

another bootstrap

com os olhos fechados
vigiam
as coisas que não faço

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

mensagem

hoje não tem lua
nem notícia sua
ufa! parou, e só agora consigo enxergar a correria estrebuchada que nos move. uma amiga me disse que eu deveria era explorar mais os temas e agora que eu enxergo todos parados, como posados para mim, tenho menos vontade de escrevê-los. chego a ter pena deles não fosse a ausência de ilusão que é própria de quando o tempo pára. tampouco quero fotografá-los, pintá-los, filmá-los; parados já não servem a nada. muita coisa se esvai quando o tempo pára, evapora sem subir nem descer, simplesmente desaparece. não digo isso do tempo, que está ali, como que esperando a minha ordem para seguir e ignora minha pergunta, talvez porque não ouça, talvez porque é incabível na sua concepção, talvez por ser cogitação de escravo. não sei, sem a sua resposta, não sei. mas não digo que seja imprescindível, seria só mais um ponto de vista ou o silêncio de uma ausência. tenho dúvida se deveria escrever no presente ou no passado ou no futuro, além da dúvida se devo realmente escrever, as palavras existindo, colocá-las no espaço seria coisa a ser realizada automaticamente, na falta de outro advérbio que traduza o tempo de algo sem tempo. e assim seria coisa que nunca seria realizada. se não fosse o tempo parado, diria eu que o próximo passo seria o espaço sumir, que é a equivalência do parar para o espaço. mas não há próximo e tenho alguma dúvida se um dia houve, não fosse uma coceira que me dá, um comichão nas idéias, se me explico. devo dizer que posso ouvir a verdadeira melodia, não sei se o som da criação, do universo, mas asseguro que a reconheço nas sinfonias, no samba e nos choros de neném. ainda acho que não me explico, não é que parou, porque parar é movimento, talvez tenha sumido se tivesse imagem. fica assim, sumiu o tempo. mas não fugiu, tampouco sei se entrou, só sei que não está aqui. esse negócio de tempo verbal é coisa que não consigo entender muito bem, começo a desconfiar que essa coisa de escrever não é amiga para se ter quando some o tempo, parece coisa convulsa, uma trás outra, futricando. eu que não preciso futricar, que não tenho mais sede nem fome nem curiosidade, que são coisas do movimento. não há movimento, devo dizer, como não há muita coisa, ou pouca coisa é que há, não sei, não há ninguém que troque um par de idéias comigo. talvez seja esse o motivo desta coisa de escrever, um resquício de humanidade. se corre o rio, nunca soube dizê-lo com precisão, que lá no fundo vai saber, mas na superfície tem pirapora, tem rebojo e tem grande atividade dos insetos, das frutas e das folhas, e dos peixes e das aves. grande atividade que vai se dissolver no campo-mar de imensidão, onde meu resquício é nada, onde estamos juntos e distantes, observando coisas pequenas e coisas grandes, tudo coisa de restolho. isso de falta de tempo veja onde me leva, tem uma minha idéia que descansa à beira do rio ou na sombra de árvore, não sei explicar bem se é cavalo, joaninha ou outro alguém ou outra coisa e isso me dá dúvidas se a idéia é realmente minha. ela tem cheiro de ser e tem cor de ser, aliás são tantas que começo a duvidar se esse cheiro não é o de sempre e essa cor não é branca ou negra. estão todas juntas, não sei de onde vieram e não posso distinguí-las uma das outras. fossem pai, fossem filho, seriam todas avôs. o sol tem cara da lua, daquela sombra sem sombra, um vento que não sei. a solidão creio que está batendo na porta, mas são tantas que não há porta para bater e de toda essa coisa e das minhas palavras, talvez de uma ampulheta, escorrega meu resquício.

a ampulheta caída

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Sugestão de uma leitora

"Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa"
João Guimarães Rosa (1908-1967)

Welcome

Estive na Sérvia e talvez por ser um pacifista me interessava saber sobre a guerra; e os sérvios as experimentam desde séculos. Meu amigo sérvio me contava a sua experiência e o seu conhecimento, em meio a "não quero mais falar de guerra". Nosso principal assunto foi Kosovo e não havia momento melhor para identificar esse conflito com o que acontece atualmente em Israel: política e economia dos Estados Unidos. Capitalismo, petróleo. Isso, somado à justificativa da proteção de direito humanos, que não é verdadeira, leva o país ao que vemos. No caso da Sérvia, a comandar uma OTAN em bombardeios à capital Belgrado, inclusive a civis e hospitais, como fazem os israelenses no Líbano, com a diferença que agora há alguma resposta, também triste. Meu amigo me narrou que passava as noites com os amigos em uma cidade ao norte de Belgrado vendo os tomahawks passarem em direção à capital e as artilharias anti-mísseis tentando pará-los. Até o dia em que o míssel parecia vir a eles, o que chegou a causar correria em alguns mais apressados. Mas o míssel não caiu ali. A capital está praticamente reconstruída, mas a OTAN continua apoiando a máfia de Kosovo. Sim, Kosovo, que é uma região sérvia, abriga uma máfia albanesa financiada pelos EUA contra uma Sérvia simpática aos interesses russos. O que meu amigo contou é uma história diferente da contada pela mídia aqui no Ocidente. Contou que os sérvios (mas não só sérvios, senão todos os que não são albaneses) são mortos e expulsos do seu próprio país, com o apoio da OTAN. Isso causa revolta nele, "Não quero mais falar sobre isso, minha vontade era juntar um exército e mandar matar todos eles". E eu entendo o seu ódio quando imagino amigos brasileiros fugindo do Rio Grande do Sul com medo de argentinos, por exemplo. É uma hipótese, impossível creio, mas me ajuda a entendê-lo. No mais, temos muita coisa em comum com os sérvios; eles, por exemplo, também gostam de rir da própria desgraça. Meu amigo me conta uma história verdadeira, mas como piada, de que um amigo visitara o Líbano e enquanto aguardava na fila do passaporte notou que o oficial estava deveras mal humorado. Chegando sua vez, entregou o passaporte e o oficial, ao notar que era sérvio, abriu um largo sorriso e disse: "You terrorist, we terrorist. Welcome."
Há muitos sites sobre o assunto. Um é http://resistir.info/europa/kosovo_port.html

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

por entre o dedão


a laranja no pé
a laranja no prato
a laranja no pé
espremida por entre o dedão
a laranja no pé



fotos: Carol Volpe

terça-feira, 25 de julho de 2006

Su belleza

Su belleza fluctúa solitaria
Huyendo de mi y de lo que sé
En el espacio etéreo del Universo.

Su belleza suspendida y serena,
Libre de la Hoz y de las Fuentes,
Juega con el Tiempo siendo todo y distante.

La misma belleza que huye del concreto,
Se convierte en un agujero negro de la Nada
Y abriga la fuga de los desafortunados.

Allí no brotan las palabras de los Hombres.
Todavía se escapa el sonido de la Verdad,
Como el ruido original de la Creación.


P. Neruda

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Noite






É noite, sinto que é noite.
Não, querida. Olhe.

são paulo em cor-de-rosa


J.P. Cilli said...

ao agito cor-de-rosa
da trégua negra
camuflada
avança a cidade
um mendigo descansa sobre ti

segunda-feira, 17 de julho de 2006

sexta-feira, 14 de julho de 2006

reedições repensadas II


toque de recolher

- ouve só
- ...
- é isso, venceram
- eu ia ficar em casa mesmo
...
- escuta, de novo
- e daí?
- ...
- olha, vai começar a novela

neta hora

o relógio marca sete horas
ontem foi sete horas

a manhã sete horas
e tudo passa

passou um sonho
sonho sobrinho
sonho filho
era de não lugar

serei eu
será você
seremos canção?

a luz perturba
derruba
ladeira de enchente
água preta, de tronco e de bujão
de televisão e gente e rato
esgoto

era,
senão amanhã
ontem então
sabe?

o piso de taco antigo grita
vale quinze reais?
meu relógio sete horas
sempre tem razão

quinta-feira, 13 de julho de 2006

vento

se um dia levares de volta tudo que trazes
voltarás com paz ou guerras?
soprarás poeira nos olhos
ou limparás as casas?
e o cabelo que fazes esvoaçar
será bem visto pelos homens
e odiado pelas mulheres?
como a força que destelha
infla velas a cortar os mares
e a embalar o pescador
pode também remexer a flor d'água
como cardume de sardinhas
fugindo de um predador?
as nuvens que trazes
são as mesmas que levas?
ah, vento
se um dia compreender-te
apontarias Um caminho
a resposta do universo?

terça-feira, 11 de julho de 2006

reedições repensadas

vogal ou consoante vírgula interrogação

foi só subir?
foi lutar só?
só pegar o táxi
e fugir desse calor?

e lá peguei no frio
meu ônibus a tempo
meu pé tinha calo
de cair do muro só
de só brincar de fogo

ah, essas consoantes
lá no meio daquelas vogais
com toda aquela pontuação
quem serei eu quem será você
seremos nós interrogação

sexta-feira, 7 de julho de 2006

1 ANO!

Nosso querido QSEDQ completa um ano, leitores esquecidos. Cadê um texto triunfante de homenagem, comemoração?Não há. Faça você, leitor insatisfeito. Só não escancaro um concurso para não sofrer a vergonha de não ter nenhum texto submetido. Então fica assim, se vem um texto, abre-se um concurso. Se não, fica a piada.

terça-feira, 4 de julho de 2006

um indigente


hoje parei
e discordo de mim
meu olhar e meu pensamento
fogem
fingem olhar e pensar
mas fogem

as lágrimas do meu sofrimento
secaram no vento que levou minha verdade
ao vale do esquecimento
e da miséria

não mereço o prêmio dos resolutos
e sentado nas rochas
olho o movimento do mar nas ondas
e penso
sou indigente de alvorecer
sem olhar e pensamento

sentado nas rochas da mentira
fujo do vento
e finjo um crepúsculo
minha única verdade