quarta-feira, 9 de agosto de 2006

ufa! parou, e só agora consigo enxergar a correria estrebuchada que nos move. uma amiga me disse que eu deveria era explorar mais os temas e agora que eu enxergo todos parados, como posados para mim, tenho menos vontade de escrevê-los. chego a ter pena deles não fosse a ausência de ilusão que é própria de quando o tempo pára. tampouco quero fotografá-los, pintá-los, filmá-los; parados já não servem a nada. muita coisa se esvai quando o tempo pára, evapora sem subir nem descer, simplesmente desaparece. não digo isso do tempo, que está ali, como que esperando a minha ordem para seguir e ignora minha pergunta, talvez porque não ouça, talvez porque é incabível na sua concepção, talvez por ser cogitação de escravo. não sei, sem a sua resposta, não sei. mas não digo que seja imprescindível, seria só mais um ponto de vista ou o silêncio de uma ausência. tenho dúvida se deveria escrever no presente ou no passado ou no futuro, além da dúvida se devo realmente escrever, as palavras existindo, colocá-las no espaço seria coisa a ser realizada automaticamente, na falta de outro advérbio que traduza o tempo de algo sem tempo. e assim seria coisa que nunca seria realizada. se não fosse o tempo parado, diria eu que o próximo passo seria o espaço sumir, que é a equivalência do parar para o espaço. mas não há próximo e tenho alguma dúvida se um dia houve, não fosse uma coceira que me dá, um comichão nas idéias, se me explico. devo dizer que posso ouvir a verdadeira melodia, não sei se o som da criação, do universo, mas asseguro que a reconheço nas sinfonias, no samba e nos choros de neném. ainda acho que não me explico, não é que parou, porque parar é movimento, talvez tenha sumido se tivesse imagem. fica assim, sumiu o tempo. mas não fugiu, tampouco sei se entrou, só sei que não está aqui. esse negócio de tempo verbal é coisa que não consigo entender muito bem, começo a desconfiar que essa coisa de escrever não é amiga para se ter quando some o tempo, parece coisa convulsa, uma trás outra, futricando. eu que não preciso futricar, que não tenho mais sede nem fome nem curiosidade, que são coisas do movimento. não há movimento, devo dizer, como não há muita coisa, ou pouca coisa é que há, não sei, não há ninguém que troque um par de idéias comigo. talvez seja esse o motivo desta coisa de escrever, um resquício de humanidade. se corre o rio, nunca soube dizê-lo com precisão, que lá no fundo vai saber, mas na superfície tem pirapora, tem rebojo e tem grande atividade dos insetos, das frutas e das folhas, e dos peixes e das aves. grande atividade que vai se dissolver no campo-mar de imensidão, onde meu resquício é nada, onde estamos juntos e distantes, observando coisas pequenas e coisas grandes, tudo coisa de restolho. isso de falta de tempo veja onde me leva, tem uma minha idéia que descansa à beira do rio ou na sombra de árvore, não sei explicar bem se é cavalo, joaninha ou outro alguém ou outra coisa e isso me dá dúvidas se a idéia é realmente minha. ela tem cheiro de ser e tem cor de ser, aliás são tantas que começo a duvidar se esse cheiro não é o de sempre e essa cor não é branca ou negra. estão todas juntas, não sei de onde vieram e não posso distinguí-las uma das outras. fossem pai, fossem filho, seriam todas avôs. o sol tem cara da lua, daquela sombra sem sombra, um vento que não sei. a solidão creio que está batendo na porta, mas são tantas que não há porta para bater e de toda essa coisa e das minhas palavras, talvez de uma ampulheta, escorrega meu resquício.

a ampulheta caída

Um comentário:

Anônimo disse...

"chegue ao final e vire a ampulheta. leia de novo, como quem fica apenas a observar a areia escorregar, esperando que algo aconteça. chegue ao final. vire novamente. daí talvez até aconteça realmente."