terça-feira, 15 de agosto de 2006

era uma esquina torneada em roda, ao que acompanhava o prédio e o portão de aço cinzas, o primeiro andar alto, e seguiam-se todos para os dois lados, com o abraço da calçada regular e do horizonte da rua. uma senhora de yves saint laurent cor de rosa-claro fincava seu salto doze vermelho ao pé do portão cinza, firmando na mão um chapéu de plumas rosas e de cabeça para o chão e apoiando o cotovelo da mão que firma na mão encostada ao corpo. é assim que ela e o dinheiro que está dentro do chapéu permanecem. ela se conserva durante algum tempo, algumas semanas ou alguns dias. um homem que passa deixa-lhe uma nota, uma velha deixa uma moeda e houve até uma criança que um dia lhe trouxe uma matula, e está tudo ali. a expressão da mulher mantinha-se naturalmente a dela, que era bonita, sem sorrir mas não séria, o cabelo em coque restando alguns fios na altura média da testa, umas mechas negras que faziam a pele clara manter-se natural, uma mecha formada por duas madeixas, a mais grossa em cima, separadas por um clarão finíssimo da pele clara. ela permanece com o pulso derrubado na linha do horizonte, o dedão como apoio de cima e o indicador como o principal encosto de baixo, mas também contava com a sorte que era a firmeza do entorno do chapéu, da aba aramada, onde se pressionando mais de um lado consegue-se sustentar toda a roda. o que não se alterava tampouco com o peso do dinheiro, que não pesava para o chapéu nem para o pulso levemente derrubado. umas veias saíam da mão, eram espremidas no pulso e seguiam pelo corpo para o coração, os olhos seguiam com seus cílios espetados, redondos, sobrancelha feita cujo fim caía em curva para acompanhar a forma do rosto, que era belo e redondo. ao seu lado, no portão havia uma camada de poeira e atrás a meada do coque havia desenhado uma limpeza aleatória com pincéis finíssimos, que não se movem com os barulhos dos carros que dirigem pelo seu horizonte direito nem pelo aviso de uma promoção em uma loja à sua esquerda. se movem com o vento, que um dia traz um senhor de calça de brim bege e camisa xadrez de algodão aveludado, sapatos de couro marrom bem lustrados e um chapéu de feltro bege-escuro. aproximando-se naturalmente o homem com seu chapéu na mão, de cabeça virada para baixo, deita-lhe a mulher o dinheiro do seu chapéu no dele, coloca-o, ajeita-o e sai como que olhando o relógio que não tem. o homem se vira de costas para o portão cinza, espalma a mão na cabeça do chapéu, seus cabelos colados à testa e sua outra mão no bolso. outros senhores, outras idosas e outros pequenos vão lhe deixar alguma coisa, aquela nota, aquela moeda e aquela matula, que poderá ser um sanduíche ou um apanhado de arroz com frango. mas um cão que anda por ali, de rabo abanado e língua de fora, vai sentar ao seu lado, coçar as orelhas, respirar ofegante e olhar no mesmo horizonte que o homem aponta o chapéu.

a esquina

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