quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Enterro

O féretro sairia às 11:30 da porta do Teatro e, não fosse um erro banal de planejamento, chegaria ao cemitério no meio-dia. Subindo 10 metros pela rua e depois seguindo a Avenida, o cortejo não teria dificuldades em encontrar o túmulo já reservado ao falecido diretor. Seu Dalto, zelador indignado do Teatro, naquela mesma tarde comentou com Dona Maria, faxineira:
- Esses filhos da puta não fazem uma merda que seja certa.
Seu Dalto tinha razão. Acostumados a perambular a pé pela região, os organizadores se esqueceram de que aqueles 10 metros de rua eram contramão. E pior: só perceberam depois do carro fúnebre iniciar o trajeto e andar o quarteirão todo. Na primeira esquina, foram despertados pela hesitação: se virassem à esquerda, logo em frente teriam que descer à direita, saindo no Largo, entroncamento confuso que suas mentes não conseguiram desmistificar. Se pegassem a direita, obrigatoriamente teriam que virar à esquerda, caindo no mesmíssimo Largo.
O carro fúnebre parou e o cortejo, estendendo-se por todo o quarteirão, permaneceu parado, com os respectivos pisca-alertas acionados e os óculos escuros a esconderem o rebuliço dos entreolhares. Aqueles que ainda não tinham entrado na rua, depois de 2 minutos, resolveram seguir direto para o cemitério. E por causa de um infeliz que se encontrava ali no meio para deixar seu carro num estacionamento e ir ao escritório do seu contador, ninguém mais conseguiu dar ré. Ele tampouco queriar recuar a 20 metros do seu destino final e isso inaugurou um buzinaço, não é preciso dizer, incompatível com a ocasião.
O motorista do carro fúnebre, um sujeito apático, aguardava a resolução dos organizadores que, nesse momento, estavam tentando argumentar com o infeliz intrometido. Depois de 15 minutos de conversas, bate-bocas, vira-costas etc, percebeu-se que a Ré era impossível. Teriam que decidir: direita ou esquerda?
Seu Dalto afirmaria até o fim dos seus dias que não via razão para que não tivessem seguido pela esquerda, depois direita e depois, na segunda à esquerda, subissem até o fim para virarem novamente à esquerda e daí, seguindo o fluxo, caírem na Avenida do Cemitério. Já Dona Maria, gargalhando largamente, achava que pegando à direita, seguindo o sentido obrigatório à esquerda, depois virando na primeira à direita, seria possível pegar uma rua que cairia no começo da Avenida. Mas Seu Dalto, do alto do seu Monza 92, afirmava pigarreando:
- Não. Ali só ônibus.

(a continuar)

domingo, 1 de maio de 2011

XUL SOLAR

(...) que espero la llama creadora que puede apagarse antes de venir (todo falso), que debo formarme una profesión, que quizás no llegue a nada, que no debo espacirme en tantas vías, que tengo que vivir la vida, que yo no la conozco, que no conozco el dolor verdadero, que debo ganarme el pan, que mi manera de querer vivir es teórica, que debo tener base sólida, que toda mi amargura y dolor pueden existir por idiosincrasia, sin causa para ello, que yo tengo talento, que en definitiva basta a dos artes, que hay que encarrilarse, que no hago nada, que debo practicar un arte ganando dinero en ello, y mil cosas más: En resumen, que si no cambio radicalmente seré absolutamente un fracasado. Debo recordar todo esto y fortificarme trabajando (...)