terça-feira, 31 de julho de 2007

a platéia

segunda-feira, 30 de julho de 2007

A serendipidade literária

Qual o critério para se optar por algum livro? No meu caso, grande parte das leituras não segue uma ordem pré-estabelecida: decido ler determinado livro por uma razão diferente da que me levou aos anteriores. Não sei se o mesmo acontece com todos os leitores, mas comigo, a despeito dessa aleatoriedade, por algum caminho inconsciente os livros acabam sempre se relacionando. Três deles, lidos em seguida, dão um exemplo disso.



***


“Os Cus de Judas”, livro do premiado António Lobo Antunes, trata da experiência do personagem-narrador na guerra de Angola. Uma matéria na revista “Língua Portuguesa” (link para assinantes UOL ou da revista) me despertou o interesse na história, ao defini-la como um “anti-épico”. Ou seja, o narrador, um médico português servindo na África, se põe implicitamente como um antagonista do velho Camões. A guerra o faz enxergar (e narrar) as coisas patéticas intrincadas no dia-a-dia e no passado do português; a arquitetura, os hábitos, os anseios: todos os ingredientes que formam o sentimento de sociedade lhe surgem como premissas de reflexão. E tudo isso, se por um lado vai lhe despertar a nostalgia do sossego provinciano de Lisboa diante da confusão e violência da campanha africana, por outro o fere e incomoda; se une ao absurdo da guerra como uma mancha no seu sangue lusitano. Lobo Antunes, portanto, transpõe o conflito angolano para outras dimensões: em primeiro lugar, para as atitudes do país ao qual pertence, ratificada por seus cidadãos (afinal, Salazar venceu como o maior português da história... ); em segundo, a própria luta individual gerada pelos sentimentos nacionalistas e saudosistas contra as decepções e as incapacidades que lhe vão sendo estampadas pela vida conforme se constrói a inevitável solidão (caindo num estilo Campos de Carvalho, como no trecho abaixo). Se, como o médico convocado, deixa o país para ir à distante África e retorna depois de muito tempo, seus sentimentos também realizam o mesmo movimento. Deixam o âmbito familiar acolhedor, quase sufocante, para cair no imenso vazio de Angola e se deparar com a morte, o sofrimento e relações humanas paradoxalmente superficiais. De volta à Portugal, vive sozinho, tendo relações igualmente superficiais com mulheres transitórias; quer a família, aquela de hábitos tão conservadores e ridículos. Espera ela de volta como quem deseja reencontrar a velha pátria imaginada, o antigo casamento feliz, tudo o que foi desmascarado pela realidade de um conflito.


***


Depois, li “Os Sertões” (“A Luta”), do Euclides da Cunha, cujas apresentações seriam dispensáveis. Só li agora pois, ao estudar um pouco da literatura brasileira num desses volumes didáticos, me deparei com um trecho tocante descrevendo a suposta rendição dos sertanejos na tal guerra de Canudos (ver trecho abaixo). O que posso dizer? Vale o adjetivo de monumento. O livro fala da campanha republicana contra a “cidadela” do Conselheiro, por ele chamada de “Belo Monte”, com o rigor de um jornalista com experiência na carreira militar. E a sensibilidade de um escritor. Ao mesmo tempo em que descreve e analisa com precisão técnica os movimentos (errados na maioria) do exército brasileiro e a geografia do “palco de ação”, não deixa de lado os diálogos travados nas linhas de combate, os sentimentos dos homens diante das diversas situações apresentadas pela batalha e o imenso disparate que era aquilo tudo. A narração não busca filosofias; o autor não deseja transformá-la na sua visão pessoal do acontecimento. Como esclarece na introdução, quer ser o narrador sincero da História, denunciando ao mundo o crime que ali se cometera. Até onde isso for possível, parece alcançar seu objetivo. É espantoso como consegue manter austeridade enquanto disserta, por exemplo, sobre “a psicologia do soldado”: busca todos os detalhes possíveis para que o leitor tenha a mais completa idéia do que ocorreu. Está certo de que os fatos por si só são suficientes para deixar indubitável a insensatez de se combater o fanatismo do sertanejo, miserável que é, trucidando milhares deles em nome do fanatismo à recém criada República. Euclides parece dizer ao leitor de hoje que há muito tempo o Brasil trata o erro dos desamparados com o erro dos “doutores”: não inclui, combate; derruba e não os ajuda a levantar.


***


Em seguida, “A Cavalaria Vermelha”, do russo Isaac Babel, reunindo contos baseados na época em que o autor lutou a campanha russo-polonesa de 1920. O título, com a nova tradução publicada recentemente pela Cosacnaif na coleção “Prosas do Mundo”, diretamente do russo para o português, virou “O Exército Vermelho”; a minha pobre versão ensebada tem lá suas origens no final da década de 1960, publicada pela editora Civilização Brasileira. Encontrei-a num sebo em São Paulo depois de sofrer uma tragicômica chuva de livros ao tentar tirar, de uma pilha enorme e mal equilibrada, um título do Garcia Márquez. Naquele monte esparramado no chão, lá estava. O preço me resignou em não ter a nova tradução, por ora. Sobre ele? Há muito lugar comum ao falar sobre o livro e eu não vou fugir deles aqui. O que mais espanta é a capacidade do autor em narrar a luta – travada, o que é pior, entre os sanguinários cossacos – com um estilo naturalmente lírico. A morte se iguala ao aparecer de uma estrela no céu. Os piores momentos são campos de trigo e cevada iluminados pela aurora. Parece que, no fundo, Babel faz da guerra um simbolismo qualquer. Ele, um jovem judeu intelectual em busca das provações capazes de transformá-lo em adulto, só deseja ser capaz de matar um homem. É como um adolescente virgem em busca da sua primeira vez, uma menina atrás de seu príncipe encantado, a dona-de-casa diante do bolo queimado no forno. O perigo real da morte vem por meio de uma narrativa cômica, atributo inevitável diante da mistura entre morte, violência, lirismo e humor (como no trecho abaixo).


***


Todos os três, portanto, falam explicitamente da guerra. Talvez eu devesse me alistar, se ainda é tempo, mas não creio seja esse o caso. Por sobre as profundezas do meu inconsciente, garanto, é tudo uma coincidência. Coincidem, aliás, num ponto interessante: extraem do non-sense da guerra o burlesco. Em geral, sentem alguma necessidade de atenuar o horror com o humor (perdão pela rima), muitas vezes entrincheirado, camuflado, um humor soldado disparando contra seus leitores.


***



TRECHOS


“Os Cus de Judas”, p. 148-149:
“(...) Não, a sério, a felicidade, esse estado difuso resultante da impossível convergência de paralelas de uma digestão sem azia com o egoísmo satisfeito e sem remorsos, continua a parecer-me, a mim, que pertenço à dolorosa classe dos inquietos tristes, eternamente à espera de uma explosão ou de um milagre, qualquer coisa de tão abstracto e estranho como a inocência, a justiça, a honra, conceitos grandiloquentes, profundos e afinal vazios que a família, a escola, a catequese e o Estado me haviam solenemente impingido para melhor me domarem, para extinguirem, se assim me posso exprimir, no ovo, os meus desejos de protesto e de revolta. O que os outros exigem de nós, entende, é que os não ponhamos em causa, não sacudamos as suas vidas miniaturas calafetadas contra o desespero e a esperança, não quebremos os seus aquários de peixes surdos a flutuarem na água limosa do dia-a-dia, aclarada de viés pela lâmpada sonolenta do que chamamos virtude e que consiste apenas, se observada de perto, na ausência morna de ambições.
“Quer um uísque? (...)”



“Os Sertões”, p. 263 (versão eletrônica baixada da Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro):
“(...) Uma megera assustadora, bruxa rebarbativa e magra – a velha mais hedionda talvez destes sertões – a única que alevantava a cabeça espalhando sobre os espectadores, como faúlhas, olhares ameaçadores; e nervosa e agitante, ágil apesar da idade, tendo sobre as espáduas de todo despidas, emaranhados, os cabelos brancos e cheios de terra – rompia, em andar sacudido, pelos grupos miserandos, atraindo a atenção geral. Tinha nos braços finos uma menina, neta, bisneta, tataraneta talvez. E essa criança horrorizava. A sua face esquerda fora arrancada, havia tempos, por um estilhaço de granada; de sorte que os ossos dos maxilares se destacavam alvíssimos, entre os bordos vermelhos da ferida já cicatrizada... A face direita sorria. E era apavorante aquele riso incompleto e dolorosíssimo aformoseando uma face e extinguindo-se repentinamente na outra, no vácuo de um gilvaz.
“Aquela velha carregava a criação mais monstruosa da campanha. Lá se foi com o seu andar agitante, de atáxica, seguindo a extensa fila de infelizes... (...)”



“A Cavalaria Vermelha”, p. 76:
“(...) O Cavalo do chefão era mesmo uma beleza, mas parecia estafado. Então o Pan general alveja-me com a sua Mauser e faz um buraco em minha perna.
“- Está bem – pensei – vou fazê-lo espernear aqui mesmo.
“Assim, trato de agir e cravo duas balas no cavalinho. Tive pena do garanhão. Era um pequeno bolchevista, aquele garanhão, castanho, luzente como uma moeda de cobre, com uma bonita cauda e jarretes que pareciam cordas. Eu tinha pensado: Vou levá-lo vivo para Lênin. Mas tal não aconteceu, matei o cavalo, que caiu de costas, como uma recém-casada, e o general caiu da sela. Pulou de lado e atirou novamente. Assim, agora eu me distinguiria três vezes na ação.
“- Jesus – pensei – ele pode matar-me por engano.
“Galopei em sua direção, e ele já tirara a espada. As lágrimas escorriam-lhe no rosto, lágrimas brancas, verdadeiro leite humano.
“- Por sua causa vou ganhar a Ordem da Bandeira Vermelha – grito. – Mãos ao alto, estou vivo, excelência. (...)”

sábado, 28 de julho de 2007

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Caraminguás

"O Diário [Carioca] pagou os caraminguás devidos por duas colaborações: "Canção oculta", de 28.XII.1952, e "Para esquecer", de 8.III.53. Por sinal que anda agora mais generoso, e elevou de 300 a 500 cruzeiros a tarifa de poesia. Em consequência do que, mando-lhe hoje pelo Banco Financial a importância de 800 cruzeiros. Quanto aos poemas anteriores, o pagamento deve ser feito por intermédio de um redator que até novembro do ano passado cuidava do suplemento. Não o procurei, porque será mais prático indicar-lhe a data de publicação dos dois trabalhos, e só tenho a do soneto "Abril" (29.VI.1952); quando saiu o "Retorno de Pasárgada"? (Já vê você que eu recorto todos os seus poemas e os guardo; ponho mesmo as datas respectivas, mas no "Retorno" me esqueci disso). (...) Nunca publique nada de graça, porque é um desaforo: jornais e revistas são empresas mercantis, e se aproveitam do nosso trabalho. Além disso, muitos escritores pobres necessitam desses adminículos (como dizia o nosso caro Arduíno), e se não cobrarmos pelo que publicamos eles terão dificuldade em fazê-lo. Não haverá nisso mercantilização da inteligência e muito menos da poesia, porque o ato da criação literária não ficará afetado. E ganhe seus cobrinhos suplementares, que não são de todo despiciendos nesta era de arroz vendido nas joalherias."


Carta de Carlos Drummond de Andrade a Abgar Renault. Excerto publicado no Suplemento mineiro de junho.

Qualquer dia

Estranha essa coisa de “isso poderia ter acontecido qualquer dia” (ou na versão sic: “isso podia ter acontecido qualquer dia”). Você está saindo de carro; no dia anterior seu seguro venceu. A primeira coisa que você irá fazer é renovar o seguro (e quanto a isso você nunca teve qualquer dúvida). Você, saindo da garagem, entra de ré num carro que está passando; ou, na versão diet: num motoqueiro maluco; na versão light: num ciclista que vinha na contramão; e, na versão zero: um flanelinha correndo para extorquir outro motorista (embora donzelas-culpadas sempre busquem esses tipos para os defenderem do mundo cruel – ao qual pertencem - afirmando que o atropelado já é flanelinha ali há mais de dez anos, bem antes d’eu pensar em frequentar aquela rua, que ele, enfim, já é quase da família). Enfim: você mete a bunda do seu carro em alguém no único dia em que ele ficou sem seguro em toda sua vida pós-montadora e, provavelmente, também o último dia de toda vida pré-desmanche. Era, portanto, o único dia em que exatamente isso poderia acontecer: como, então, “isso poderia ter acontecido qualquer dia”?

Fato noti-ocioso

Da redação

Segundo registro da mais nova ferramenta tecno-informativa instalada neste ignorativo (clustr-map), fomos acessados por algum brasuca que fazia a travessia da fronteira mexico-norte-americana, em busca do eldorado americano. Imaginamos que o leitor - embora não haja muito o que ler aqui ultimamente - distraía-se no meio do deserto mexicano à espera de uma brecha para passar despercebido pelos guardas estado-unidenses.

Desejamos sorte ao corajoso compatriota na terra das batatas-fritas (são francesas ou americanas, afinal?) Oxalá você faça fortuna, amigo (amigo em espanhol mesmo)! Essa opção de deixar este país se faz cada vez mais forte e tentadora, principalmente com esses últimos atentados no país. Mas olha que há quem diga por aí que o Brasil virou país de primeiro mundo, pois até 11/09 à la tupiniquim nós arrumamos. A conclusão é de cada um, conforme a coragem (a saber se é mais corajoso o que fica ou o que se vai). ¡Suerte! A todos.

domingo, 22 de julho de 2007

sexta-feira, 20 de julho de 2007

quinta-feira, 19 de julho de 2007

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Dois anos (outro plin-plin)

É a idade deste ignorativo.

A Cruz 3


"A Cruz" - janeiro de 2006
"A Cruz 2" - abril de 2006

quinta-feira, 12 de julho de 2007

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Plin-Plin em ARG07

Você também tem um blog?

Você não tem, mas não vive sem ler?

Tem dúvidas se é viciado em postação ou blogagem?

Acesse o Mingle - How Addicted to Blogging Are You? e saiba definir exatamente seu nível de dependência blogueira.

A que isso irá te levar, não sei... Quem sabe uma nova postagem para seu blog?

Como eu...

Aí vai meu resultado (surpresa para mim, que nem tenho internet em casa...):

55%How Addicted to Blogging Are You?

Mingle2 - Online Dating

terça-feira, 10 de julho de 2007

Exceções a QLDM

Uma leitora apontou uma exceção à série QLDM: as tomadas. Não fotografamos as tomadas argentinas, mas o comentário da leitora trouxe à luz o sentido de uma foto que tiramos - outra exceção: as placas dos carros.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

terça-feira, 3 de julho de 2007