segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Black Swan

agora, animal matável, mas quase imortal, era o urubu. distante, inalcançável e perigoso até para aviões. o fato de ser feio e fedido - embora nunca o tenha visto nem cheirado de muito perto até a bienal do ano passado - era relativizado pelo outro fato de estarem voando sempre muito alto, serenos, espiralando correntes de ar ou espreitando um moribundo.

mas na verdade não era disso que eu queria falar. ou era.

diante daquela lonjura, daquela tranquilidade inabalável, eu me sentia um monte de carne sangrenta queimando os pés nas pedras da piscina esverdeada; e temia quando chegasse a minha vez de ser o olho daquele tornado negro e suave: certeiro. mordiscariam meus olhos? eu pulava na água e me esquecia de tudo, desaparecendo sob o lodo e, de vez em quando, até cortava o pé num dos azulejos lascados do fundo invisível da piscina. saltava as sucessivas grades e ia choramingar num canto onde provavelmente poderia ser visto.

cansado de esperar, entrava no banho e curtia a pele enrugada olhando a permanência dos urubus pela janela do banheiro: ardia. depois, não há depois: continuo sem ter ideia de onde eu fora parar.

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