terça-feira, 3 de abril de 2007

Literatura jornalística

O samba do soldador
Da Redação

Na tragédia do afundamento do buraco no metrô de São Paulo, emergiram como culpadas as empreiteiras: os novos bodes brasileiros. Câmeras escondidas na bolsa, manchetes explosivas e mais uma nova classe de termos para o nosso léxico de desgraças: bacalhau agora também é o que já foi a popular gambiarra. Do mesmo modo, surgiu uma nova profissão na lista negra dos profissionais do Brasil, que volta e meia inclui jornalistas, advogados, policiais e médicos; soldador ainda era inédito.
Jadiel* nasceu no interior de Pernambuco em 1971. Sua família vivia próximo a um engenho, onde prestavam todos o membros o serviço de bóia-fria. “Com o programa do álcool”, ele diz, “todo mundo teve trabalho, ganhou muito dinheiro. Dava até pra comer carne no almoço de domingo”. Mas depois as coisas foram piorando e, assim que Jadiel terminou a 8ª série, ou o ginásio da sua época, atendeu ao convite feito por uma prima ao seu irmão mais velho.
Em São Paulo foi se arranjando. Logo entrou no ramo da construção civil como auxiliar de um pedreiro que se simpatizou com ele. Mais tarde, aprendeu o ofício da solda e, com a nova técnica, conseguia arrumar serviço nas grandes obras tocadas pelas grandes empreiteiras.
“Não tem muita diferença entre construir casa de madame no Morumbi e uma estação de metrô”, afirma. Conta preferir “casa de madame” e justifica-se: “às vezes, a empregada vem trazer suco, café, lanche pros peões da obra, além da bóia, claro”.
Questionado sobre os problemas nas soldas da estação Fradique Coutinho do metrô, em São Paulo, onde trabalhou, Jadiel se mostra sinceramente alterado.
“Não entendi aquilo tudo. O senhor sabe, eu leio e assisto o noticiário. Sei ler e sei pensar, também. Muita gente por aí nem isso faz, não pensa, não quer saber, mas eu sim. Eles metem o pau nos bacalhau [sic], aqueles técnico contratado [sic], aqueles jornalista [sic], mas na casa deles aposto que é igual, que preferiram pagar menos pra fazer bacalhau do que a coisa certinha [sic]. Todo mundo faz bacalhau no Brasil, não faz? Não tem aquilo de jeitinho brasileiro? O Lula não veio falar em projeto pro Brasil crescer mais e tal? A Marta não fez um monte de escola por aí com latão? O Governo não foi tapar buraco no ano passado por causa da eleição, e jogou um piche com brita lá, jogou qualquer coisa que já tá tudo uma merda? E etc. etc. etc.? Olha, é tudo bacalhau, meu filho, tudo bacalhau. O Brasil é um bacalhau que só. Eu sou um bacalhau e tu provavelmente também é. Afinal, por que fui virar soldador? Um dia faltou o cara, me chamaram, me disseram ‘olha, faz assim e assado’ e pronto; em dois tempo eu já tava nas grande, aí [sic]. Aqui é assim, tá precisando a gente é, a gente é o que tá precisando, entende?, o que não deixa de ser um bacalhau, não é?”
E emenda com um repentino bom humor:
“Olha, e pra não dizerem que só fico falando mal, que fico de rancor, um dia aí tive até uma hora que fiz um sambinha com essa história toda que estava me aporrinhando, pra aliviar um pouco, né? É assim: (cantarolando) No Brasil, não tem baixo-astral/ Se o dinheiro não deu/ o financiamento não saiu/ faltou peça na caranga/ ou a comida da janta/ não faz mal/ não faz mal/ por aqui nós fazemo [sic] um bacalhau”.
E ele ri.

* Nome fictício.

2 comentários:

Anônimo disse...

História em momento mais oporturno não poderia ser. Sexta-feira santa aí, já estamos colocando o bacalhau para dessalgar... eita tradição esquisita!

Anônimo disse...

Ah é, não tinha me ligado... vocabulário sazonal...