segunda-feira, 22 de maio de 2006

o preço de deus


- não sei, eu queria ser cego, às vezes.
- por que?
- porque ver é doloroso.
- mas há várias coisas para se ver...
- mas não consigo deixar de enxergar coisas que para os meus olhos são extremamente injustas e controversas, mas que para as pessoas, a maioria delas pelo menos, é algo comum, é fonte de dinheiro, é o cotidiano.
- você deve considerar que está em uma fase ruim...
- não sei, não consigo deixar de pensar que eu não quero viver essa vida quando acabar essa merda toda.
- veja por outro lado, veja as pessoas, você tem sorte, não acha?
- fodam-se as pessoas, foda-se o que as pessoas esperam de mim, porque o que eu espero da vida não é isso.
- o que você espera da vida, então?
- sabe, ontem estava com uma amiga e perguntei o que era deus para ela. ela respondeu que era o ser que dava destino ao mundo. então perguntei qual era o sentido da vida para ela, por que deus a colocou aqui. ela disse que a vida era nascer, estudar, fazer faculdade, trabalhar, ganhar dinheiro, comprar coisas e saber fazer disso o melhor para você. então eu ponderei se deus (o deus que ela acredita) realmente a colocou aqui para ganhar dinheiro. e essa idéia é inaceitável.
- mas é a realidade...
- eu sei, mas que a realidade é essa, tem que ter grana para se viver? quero dizer, o dinheiro é inerente à experiência de se viver, na sua forma original, fundamental?
- não digo que seja, mas me parece que atualmente sim.
- certo, mas daí surgem várias questões. como ganhar grana? o que fazer com isso? será que é isso mesmo, tem que ficar sentado na cadeira para viver?
- não, não é preciso ficar sentado na cadeira, mas tem que se sacrificar. pelo menos é isso que enxergo.
- não, eu não consigo me convencer com isso. é quase uma tortura pensar que amanhã, semana que vem, ano que vem, eu ainda estarei aqui. que tem um puta mundo aí fora para se conhecer, um monte de cultura para viver, montanhas pra subir, mares para velejar, pores e nasceres de sol para se ver, enfim, há toda uma criação divina para se experimentar, e que eu vou estar aqui, acordando as oito, chegando as nove, saindo as dezenove, dormindo a uma.
- essa é a sua vida...
- quem disse, quem colocou essas regras na nossa vida? quem nos obrigou a fazer isso que a gente faz? isso é o melhor pra gente?
- você vive em uma sociedade, deve obedecer a suas regras, do contrário não estará vivendo.
- não sei, continuo sendo contra as instituições, enquanto conjunto de regras criadas por alguém para te direcionar. como se eu precisasse desse tipo de regras. respeito as regras da natureza, respeito as regras que nossa essência nos impõe e que a personalidade de cada um impõe a cada um.
- sim, há essas regras, mas não são as únicas.
- deveriam ser. tudo é tão passageiro e a gente é tão preso sem razão alguma para isso...
- essa coisa de tudo é passageiro é pensamento de velho, hein...
- é, eu posso ter me cansado cedo demais de seguir o rebanho, passar pela porteira, ser carimbado, comer ração...
- ...
- é tudo aparentemente bom, mas se você vir o pasto cercado de cima da montanha, acho que você poderá ver que a liberdade realmente não tem preço.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fico fascinado com a criatividade dos temas e tb das fotos. Deus? O preço de deus? Parei pra pensar nessa frase...