domingo, 4 de março de 2007

Quesabemos: E.R.G.

QSEDQ? Sofregozar?

Se há algo que me aguça a curiosidade e se constitui, cada vez mais, em enigma indecifrável, esse algo é o masoquismo – que, diga-se de passagem, sempre vem acompanhado de algum grau de sadismo como contrapeso.

O fato de que alguém possa realmente sentir algum prazer na dor tem me feito gastar, até agora em vão, uns bons neurônios. E digo isso porque minha natureza é completamente avessa a qualquer tipo de sofrimento. Fujo da dor tal qual gato da água. Ela me é incomoda, desorientadora, chega a ser inadmissível. Mesmo quando inevitável, todas as defesas de meu corpo e de minha mente são automaticamente acionadas assim que ela se me apresenta. E quando não há remédio possível para a dor, dada a sua inevitabilidade, trato de sofrer o mais rápido e o mais intensamente possível os seus efeitos para, assim, extinguida, dela logo livrar-me.

Mas como reconhecer um masoquista? Há dois sintomas básicos: o prolongar-se da dor e o reincidir-se nela. Pois a dor mesma, não há como negá-la. Estamos vivos, logo sofremos e sofreremos as dores mais variadas ao longo de nossa efêmera existência. O próprio parto virou símbolo máximo do sofrimento: da mãe pela dor física; do bebê pela perda do conforto uterino; da parteira pela responsabilidade; e até do pai, pela impotência. Qualquer um que já viu um recém-nascido chorando reconhece ali o ato de sofrimento supremo, mesmo que a razão entenda que o choro do bebê nada mais é do que a falta de todas as outras possíveis linguagens: “Quem não chora, não mama!”

Mas mesmo o bebê pára de chorar assim que lhe dão o peito ou trocam-lhe as fraldas. Bebês não tem depressão ou angústias, tem necessidades! Qual o porquê, então, das autodestruições? Dos relacionamentos alimentados pelo conflito? Das depressões prolongadas? Do abuso de anestésicos que só prolongam a dor sem curá-la, mesmo sabendo-se disso? Não sei.

Li em algum livro de psicologia que a dor, quando muito intensa ou quando sentida por um período longo demais, acaba tomando o lugar de todo o resto e se torna o próprio espaço onde a vida se dá. Ou seja, o pensamento do sofredor é o de que se a dor acabar, não haverá mais nada. A dor é algo tão presente, tão intensamente experimentada, que sem ela a vida perde o sentido. Há mesmo um conforto e um prazer nesse “lugar”. Segurança. Enquanto se sente dor, sente-se algo, existe vida. Aquilo torna se a única coisa reconhecível, a derradeira referência existencial.

Certo. Vá lá. É uma teoria válida! Racionalmente, até consigo entender esse “lugar”. O que me atrapalha é reconhecer que o simples fato de existir como ser vivo constituido de bilhões de células – átomos até – coexistindo com bilhões de outros seres vivos, em um planeta magnífico, que por sua vez não é nada além do que uma poeirinha que flutua no nada em meio a um espaço sideral infinito, e ainda ter consciencia disso tudo, já é, por sí só, o maior dos milagres! Que dor é relevante o suficiente para que se sabote o milagre de viver?

Some-se a isso o fato de que cada um é o único responsável por seus atos, que cada um é o único tem o real poder de transformar os próprios valores em quaisquer outros e a qualquer tempo, desde que se tenha a humildade de reconhecer que, no fundo, somos sós e, a rigor, não temos mais ninguém no mundo além de nós mesmos. Daí o prolongamento da dor e do sofrimento torna-se, então, quase que inverossímel, posto que exista. Resta-me apenas a resignação de saber que, perante um autêntico masoquista, nada sei sobre a vida. E o conselho que daria a ele (ou ela, que são muitas, senão todas), acaba servindo para mim mesmo:

“É preciso aprender a só ser. É preciso aprender a ser só.”


E.R.G. publica em www.diariodamadruga.blogspot.com

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