quinta-feira, 8 de março de 2007

Quesabemos: L. Vukku

Rosalinda, a nenhuma
Mia Couto

Rosalinda era mulher retaguardada, fornecida de assento. Senhora de muita polpa, carnes aquém e além roupa. Sofria de tanto volume que se sentava no próprio peso, superlativa. Já fora esbelta, dessas mulheres que explicam o amor. Magreza sucedida em seus tempos. Pois que, desde que enviuvou, ela se desentreteu, esquecida de ser. Rosalinda, agora, se cansava de tanta hora: mascava mulala, enrolando a saliva-laranja. As mulheres gordas não zangam com a vida: fazem lembrar os bois que nunca esperam tragédias. No desfolhar das tardes, ela se aprovava em triste rotina. Visitava o cemitério. E isso fazia muito diariamente. A campa do falecido marido, o Jacinto, ficava bem no fundo do cemitério. Condizia com o lugar que ele sempre tivera, nas traseiras da vida. De passo miúdo, Rosalinda rumava entre as moradias subtérreas, vacilando como se magoasse em sua própria sombra.
Já no lugar, ela em si se ajoelhava, vencendo as pernas. E ali se deixava, na companhia sozinha do defunto.
Assim se foram prostrando as datas, anos suados, anos somados. Rosalinda se antepassava, tantos eram os parentes já enroscados no grande sono. Só ela restava, em seus retroactivos pensamentos. Junto à campa, ela se memoriava:
- Jacinto, grande sacana.
Com gesto terno, ela alisava a areia, afagando lembranças. Deus lhe punisse, Deus adoecesse. Mas quem explicava aquela saudade do sofrimento, o doce sabor das amargas lembranças?
- Tu me amarraste a vida, me forneceste de porrada.
(...)

Vukku é um nenhum de Moçambique e, como não sabe nada além de copiar, enviou-nos um texto (bastante incompleto) de um compatriota. Ele agradece à portuguesa Catarina.

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