sexta-feira, 16 de março de 2007

Com atraso, mas continua bom.

Folha de São Paulo
São Paulo, terça-feira, 13 de março de 2007

CECILIA GIANNETTI

Big Book Brasil

Cada participante deveria produzir um conto ou um romance em frente à câmera; a casa era uma réplica da ABL
UM INESPERADO aumento dos índices de leitura no país refletiu sobre a TV aberta nacional na forma de uma queda inédita de ibope -de repente, o povo brasileiro começou a ler insaciavelmente e simplesmente parou de ver televisão. Afogados em números vermelhos, fumando sob sinais de “Não Fume” nas sedes das principais redes de TV, os diretores de programação concluíram que só havia uma saída: a reformulação drástica de suas grades.
No começo, mudanças discretas, reprises de “Meu Pé de Laranja Lima” e “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Mas o público não se deixava mais impressionar tão facilmente. Os diretores -ainda fumando desbragadamente- precisavam ousar. Aí vieram adaptações do premiado “Eles Eram Muitos Cavalos”, de Ruffato, e de toda a obra de Marçal Aquino e Ferréz no “Caso Verdade”.
Nossos elevados padrões causaram inveja entre eruditos na Europa -especialmente os franceses, que tornaram a atear fogo em carros, bicicletas e velocípedes, indignadíssimos com seu recém-adquirido complexo de inferioridade em relação ao Brasil. Foi quando estreou o “Big Book Brasil”, maior inovação da televisão intelectualizada. Cada participante deveria produzir um conto ou um romance na frente das câmeras; todos confinados na casa-réplica da Academia Brasileira de Letras (com piscina). A primeira prova decidiu quem escreveria o quê: houve contista que deu azar de pegar romance e romancista obrigado a aprender a arte do “fazer curtinho”. O prêmio para o vencedor seria a publicação de sua obra - em capa dura.
Uma mocinha da internet e um crítico literário entraram no BBB “pela janela”. Graças a um sorteio, Márcia Moreira (a M@rSil) chegou humildezinha com seu laptop quando os participantes mais cultos já estavam instalados na casa. Ela não escondeu o desconforto ao ser chamada de “blogueira” pelo crítico literário, que fora escolhido por ser amigo do diretor do programa. “O problema, Bial, é que o crítico fala como se eu fosse analfabeta. Tenho meu sonho desde que fiz meu primeiro “post”. Sempre quis escrever um livro. Ele, não! Passou a vida resenhando livro dos outros e agora quer sair do armário na TV. É um frustrado!”
Sonia Sanja (poeta de São João do Meriti) e Pedro Thiago (o que psicografava) viviam juntos sob o edredom. Mas quem chocou mesmo o Brasil foi o crítico literário. Em rede nacional, teve seu primeiro bloqueio de escritor, ao tentar escrever ficção. De roupão, em posição fetal no confessionário, chorou muito e orou a Deus. Seu psicanalista, que tinha assinado o “pay-per-view”, comentou nas revistas de fofoca: “Ele não crê em nada, muito menos em Deus. Tá fazendo tipo”.
Na praia, sempre reluzindo com bronzeador de urucum, espeto de queijo coalho numa das mãos, noutra a cerveja, nosso povo ufanava-se de boca cheia do “Big Book Brasil”: “Librum lego. Littera sacra est; liber sacer, templum sacrum!”. E em latim, pra tirar onda.

(Achado no Bife Sujo)

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