quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Conto de Folhetim: Parte I - A Caminho de Ibitipoca

Jonas não se aguentava mais; estava prestes a explodir. Ainda conservava a espera-nça, mas já não era remédio que o confortava.
Belo dia resolveu procurar um médico, desses que cuidam das doenças da alma. Ficou sabendo que em Conceição do Ibitipoca havia um doutor que era bom mesmo, que resolvia de tudo. Era uma viagem um tanto quanto longa, mas pela fama do doutor - todos diziam que ele até tirava o pior dos quebrantos - parecia valer a pena tentar. Foi lá Jonas prestar queixa de suas insatisfações, de seu mal-estar sem razão certa.

A viagem até que passou depressa. Da janela Jonas se ocupou por um bom tempo com a paisagem das montanhas. O ônibus balançava um bocado. Entre um solavanco e outro puxou conversa com o senhor ao seu lado. O velho desatinou a contar histórias de sua vida - casos de família, de amor, de briga. Tinha aparência simples, cara marcada, o corpo sofrido e falava como quem tem a calma que só o tempo pode dar. Jonas ouviu admirado com atenção. A nostalgia do velho não era triste; pelo contrário, o seu olhar para o passado transparecia beleza, uma verdadeira admiração pela vida. Parecia viver a vida como quem aprecia um vinho - dos melhores -, principalmente quando falava de Vitalina*. Vitalina, a mulher que o fez deixar tudo e nascer para vida. Tudo era justificável por Vitalina, mais que isso, Vitalina justificava tudo. O velho quando tinha seus mais de 60 anos deixou mulher, filhos, propriedades e a segurança que tudo aquilo lhe dava para viver com Vitalina. - Que loucura! - disse Jonas sem pensar. - Loucura, meu filho... loucura não. Louco estava quando com mais de 60 não tinha sentido o que era viver - respondeu com ar de bon vivan. Jonas consentiu com a cabeça, mas continuava pensando que o velho era doido e emendeu em seguida - Ah, então pelo visto o senhor está muito bem arranjado com ela... - Não, meu filho, Vitalina me deixou. Hehehe. Foi viver com um rapaz, fazendeiro, dono de terras...

Apesar do entusiasmo e a fascinação com que o velho falava sobre Vitalina, sobre a vida, Jonas pensou que aquilo era o atestado de loucura do velho. Falar com tamanho prazer sobre uma história de amor que terminara com um belo par de chifres, não podia ser normal, não para Jonas. Nem sabia mais o que dizer e apenas respondeu com um movimento de cabeça, que não parecia nem dizer sim nem dizer não. - Vai entender... vai ver que é assim mesmo - pensou calado Jonas. Na confusão de sua mente, não conseguia entender de onde o velho tirava aquele prazer vital, aquilo que ele mesmo tanto buscava. Como era confuso tudo aquilo; o velho, que aparentemente parecia ter mais motivos para destestar a vida, era uma das poucas pessoas que conheceu, se não a única, com um verdadeiro tesão por ela.

Logo chegaram a Ibitipoca, mas já era tarde e procurar o tal médico só seria possível no dia seguinte.


(*) Ver texto em comentários.

3 comentários:

Marco disse...

"Meu Bisavô

Meu bisavô, no início do século passado, aos 60 anos de idade, abandonou tudo e apareceu por aqui, trazendo no colo uma adolescente para ser sua mulher: uma enorme loucura...
Mas ele era um homem rebelde, um homem que não desistia. então abandonou tudo:
As propriedades e as impropriedades que a elas se ligam, a esposa controladora, os filhos perplexos, fazendas, noras, netos, e velhas emoções...
Tudo por Vitalina: por aquela menina delicada e de cabelos longos ele abandonaria o mundo.
Por ela, abandonou cabeças de gado e todas as "certezas" que lhe haviam dado.
Jogou fora o velho baú de premissas usadas. Pela possibilidade aberta de uma nova vida, tomou aquelas decisões que só os grandes homens conseguem tomar: montou o cavalo negro do risco absoluto e partiu!
Já sabia que o único crime que não tem perdão é desperdiçar a vida. Abandonou tudo para não ter que se abandonar, para não ter que abandonar a própria existência.
Não fosse por isso eu não estaria aqui, agora.
Sou, portanto, bisneto da rebeldia.
Bisneto da rebeldia, neto da emoção, filho da loucura, irmão do desejo, primo do prazer, amigo da liberdade, e amante de todos os meus amores.
E existo, por incrível que pareça!
No céu da minha boca não há fogos de artifício. Só estrelas!"

Edson Marques

Anônimo disse...

Jonas voltou! E virou uma saga!
Texto simpático, próprio para a personagem solitária que representa um pouco do medo da solidão que todos nós temos. Mas poderia jurar que a foto é do Peru, e não de Conceição do Ibitipoca...

Anônimo disse...

E a parte II ? Conceicao do Ibitipoca........
Marco, gosto muito do seu blog. He gostoso de ler e ver como sua imaginacao vai longe.
Poder se expressar he muito bacana. Pegar uma foto e fazer uma historia com ela.. ta i gostei disso.
beijo
Monica