sexta-feira, 9 de outubro de 2015

uma nuvem

Sou uma aparição fastamagórica
Puro ego
Destituído de matéria.

Já não há mais metáforas.

Escorrego entre corpos espírito ideais
Nuvem densa e trêmula
Entre postes rígidos iluminados.

Na poça vejo o poste aceso
Vigiado por três janelas do sobrado
É quarta-feira de cinzas:
O touro bêbado trepa na anjinha borrada;
A cavalaria policial espalha estrume pelas ruas e uma fumaça indiferente de cigarros baratos;
Pardais atacam os restos do hamburguer de um super-herói desfalecido na calçada;
Uma cena típica, enfim.

A porta do sobrado é a única sombra
Pelas janelas vejo um papel-de-parede colorido
Todo o resto é luz monocromática
Dessaliente
Atravessando a retina inexistente
De uma nuvem.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

genealogia

vaguei pela mata escura
pisando onde só meus pés conheciam.

quando um vão encontrei
e cheguei à clareira
um leão me abocanhou
e me abrigou no ventre negro.

depois de imemorável tempo
fundimos em espírito
e antropomórfico corpo:

já não éramos leão nem humano.

trepamos na árvore de dura casca
onde a mata começa e o mato acaba
e a cada unha cravada
mais árvore nos tornávamos.

depois de imemorável tempo
fundimos em espírito
e vegetantropomórfico corpo:

já não éramos árvore, leão nem humano.

lançamos raízes pelo macio solo
onde tantas outras se entrelaçam
e a rocha que encontramos
abraçamos com todas as nossas forças.

depois de imemorável tempo
fundimos em espírito
e mineravegetantropomórfico corpo:

já não éramos rocha, árvore, leão nem humano.

permanecemos em imóvel iluminação
onde toda felicidade parece possível.
tivemos a chuva, o vento e o sol
como eternos companheiros.

mas depois de imemorável tempo
fundimos em espírito
e planetário corpo.

éramos cósmicos.

domingo, 24 de agosto de 2014

viagem ao interior

cana
eucalipto
laranja
pasto

o asfalto da autopista
exala vapores de oásis

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A respeito de Tcharafna


Acompanhar o trabalho do Gui Mohallem é acompanhar a inquietação contínua que marca o artista. Tcharafna é como o espelho que Gui encontrou ao não temer o incerto da sua evolução: o espelho que já lhe deu as boas-vindas agora lhe recebe para anunciar com crueza what’s all about – o que foi, o que é, o que será.

Como na natureza branca do delírio de Brás Cubas, Gui descobre mais uma camada – desilude-se um pouco mais –, onde encontra um pertencimento profundo, já fora das dimensões binárias: sua névoa característica, explorada tecnicamente como uma obsessão nos seus trabalhos anteriores, encontra sua matriz original, o branco eterno do Monte Líbano, a raiz.

Com Tcharafna, Gui deixou de ser somente fotógrafo e passou a se desdobrar como artista. Seu domínio da técnica fotográfica permanece como sua mídia primordial, mas sua postura e seus processos ultrapassaram a linguagem que lhe abriu as portas.

A mensagem é clara: no centro de tudo, três caixas sustentam uma cera-emulsão vermelha prestes a derreter e levar consigo, num rito sacrifical, os fotogramas-raízes. O artista-autófago deglute sua origem como quem sorve saborosos quitutes numa tigela de porcelana. Na estrada, seu destino ainda é a estrada. E que assim seja.



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A tempo: Neste sábado, 29 de junho de 2013, às 15hs, Gui estará na Galeria Emma Thomas para um bate-papo sobre o trabalho.

sábado, 22 de setembro de 2012

uma faca
só lâmina

o assassino sangrará
a mão

para furar
da vítima
o coração

quinta-feira, 3 de maio de 2012



do que se dizia ser o fim do mundo restou um par de tijolos. ninguém viu:
estava aqui.


as árvores foram novamente caídas
e as pedreiras desfeitas novamente
mas um céu azul - que se embranquece no horizonte.

no vazio, as estrias vesgas da nossa melancolia.

e tudo o mais
[ travessia ]

What reminiscences of a human subject suffering from progressive melancholia did these objects evoke in Bloom? 

terça-feira, 18 de outubro de 2011

FIM

"Isto é o fim, ele pensa. E o fim nunca termina."

André de Leones, no "Dentes Negros"

sábado, 8 de outubro de 2011

Coluna romana


coluna, panteão, roma/2011.
repensando aquela foto do mec-rio (link)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

descarga

os técnicos passaram com o caminhão da companhia de eletricidade distribuindo a nova fiação pelas ruas e o zelador estava ocupado em cortá-la para ligar ao circuito do prédio quando chegamos e não pudemos entrar com nosso carro. pulamos a grade por um canto com as pizzas e os refrigerantes na mão e atravessamos uma bacia de areia cheia de cacos de vidro de garrafas de bebidas alcoólicas para chegarmos no nosso apartamento. como estava com os pés carregados de areia, gastei um bom tempo batendo-os no capacho da porta do banheiro, cômodo no qual estava resumido nosso apartamento. senti orgulho da minha conduta, como uma criança que aprendeu a andar, talvez. e talvez por isso, mas isso é incerto, juntei dois pedaços de pizza, piquei-os como folhas de papel e, mediante um raciocínio meio melindroso, conclui que seria mais adequado jogar os pedaços no vaso sanitário - o que, naturalmente, só me fez mais orgulhoso de mim.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Matisse, de novo


não é brincadeira. o bom e velho Henri, emocionado com o aumento da família, fez questão de nos presentear com um pout-pourri - desta vez, munido de lápis de cor e pastéis de várias cores.

domingo, 7 de agosto de 2011

flores e cerâmica

vocês não vão acreditar, mas o velho Matisse esteve por aqui de novo. nossa situação era ainda mais precária e desta vez só tínhamos uma bic preta e um moleskine.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Enterro

O féretro sairia às 11:30 da porta do Teatro e, não fosse um erro banal de planejamento, chegaria ao cemitério no meio-dia. Subindo 10 metros pela rua e depois seguindo a Avenida, o cortejo não teria dificuldades em encontrar o túmulo já reservado ao falecido diretor. Seu Dalto, zelador indignado do Teatro, naquela mesma tarde comentou com Dona Maria, faxineira:
- Esses filhos da puta não fazem uma merda que seja certa.
Seu Dalto tinha razão. Acostumados a perambular a pé pela região, os organizadores se esqueceram de que aqueles 10 metros de rua eram contramão. E pior: só perceberam depois do carro fúnebre iniciar o trajeto e andar o quarteirão todo. Na primeira esquina, foram despertados pela hesitação: se virassem à esquerda, logo em frente teriam que descer à direita, saindo no Largo, entroncamento confuso que suas mentes não conseguiram desmistificar. Se pegassem a direita, obrigatoriamente teriam que virar à esquerda, caindo no mesmíssimo Largo.
O carro fúnebre parou e o cortejo, estendendo-se por todo o quarteirão, permaneceu parado, com os respectivos pisca-alertas acionados e os óculos escuros a esconderem o rebuliço dos entreolhares. Aqueles que ainda não tinham entrado na rua, depois de 2 minutos, resolveram seguir direto para o cemitério. E por causa de um infeliz que se encontrava ali no meio para deixar seu carro num estacionamento e ir ao escritório do seu contador, ninguém mais conseguiu dar ré. Ele tampouco queriar recuar a 20 metros do seu destino final e isso inaugurou um buzinaço, não é preciso dizer, incompatível com a ocasião.
O motorista do carro fúnebre, um sujeito apático, aguardava a resolução dos organizadores que, nesse momento, estavam tentando argumentar com o infeliz intrometido. Depois de 15 minutos de conversas, bate-bocas, vira-costas etc, percebeu-se que a Ré era impossível. Teriam que decidir: direita ou esquerda?
Seu Dalto afirmaria até o fim dos seus dias que não via razão para que não tivessem seguido pela esquerda, depois direita e depois, na segunda à esquerda, subissem até o fim para virarem novamente à esquerda e daí, seguindo o fluxo, caírem na Avenida do Cemitério. Já Dona Maria, gargalhando largamente, achava que pegando à direita, seguindo o sentido obrigatório à esquerda, depois virando na primeira à direita, seria possível pegar uma rua que cairia no começo da Avenida. Mas Seu Dalto, do alto do seu Monza 92, afirmava pigarreando:
- Não. Ali só ônibus.

(a continuar)

domingo, 1 de maio de 2011

XUL SOLAR

(...) que espero la llama creadora que puede apagarse antes de venir (todo falso), que debo formarme una profesión, que quizás no llegue a nada, que no debo espacirme en tantas vías, que tengo que vivir la vida, que yo no la conozco, que no conozco el dolor verdadero, que debo ganarme el pan, que mi manera de querer vivir es teórica, que debo tener base sólida, que toda mi amargura y dolor pueden existir por idiosincrasia, sin causa para ello, que yo tengo talento, que en definitiva basta a dos artes, que hay que encarrilarse, que no hago nada, que debo practicar un arte ganando dinero en ello, y mil cosas más: En resumen, que si no cambio radicalmente seré absolutamente un fracasado. Debo recordar todo esto y fortificarme trabajando (...)

sábado, 16 de abril de 2011

a cidade imperdoada



hoje a cidade me acordou sem nenhuma intenção de perdoar minhas idiotices. a despeito das sirenes e das buzinas, das freadas bruscas e dos gritos histéricos indecifráveis, seu cinza reluzia à cobre. um alquimista deve estar contente, pensei enquanto minhas pernas reclamavam da sua estufa particular. nas esquinas os mesmos buracos, uma demolição arrancava sua carne e os carros seguiam carregando seres mistificados pelo motor. eu não te quero, seu cobre é tolo, nossa coisa : não te perdôo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O André descia na frente um caminho que dava na praia. Havia coqueiros em toda encosta e um grupo de quatro pessoas os balançava na esperança de que um coco caísse. O André, deixando-se embalar com a descida, deu uma voadora num tronco e dois cocos caíram. Um se esborrachou e o outro, meio franzino, caiu no mato e rolou até uma moita. Enquanto o André chorava pelo que tinha se partido e já tentava comer a polpa, os quatro sujeitos se deram conta do que havia acontecido e concluíram que tinham direito àqueles cocos. Algum direito, pelo menos. Eu vinha subindo a encosta com o coco inteiro nas mãos, chacoalhando-o para conferir a existência de líquido, quando vi os brutamontes se aproximando do André. Não queriam saber de muita conversa, queriam seus cocos. O André tentou argumentar (como sempre), mas vendo que isso não nos levaria a nenhum lugar além da pancadaria, adiantou-se por um atalho e, com o pedaço de coco que tinha nas mãos, acertou a têmpora do maior deles, curiosamente chamado Maguilha, com LH mesmo. Diante dos 2 segundos de choque sobre a turba, acompanhei o André no seu atalho e arremessei (se é que um arremesso a 50 centímetros de distância pode ser chamado de arremesso) o meu coco na cabeça de outro sujeito, que rolou por uns 10 metros encosta abaixo.
A praia continuava lá em frente, atrás do coqueiral. Enquanto a pancadaria rolou, equilibrada no número de lutadores, podíamos ouvir as ondas e as vozes das crianças na areia. Era lá que queríamos estar.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

quarta-feira, 30 de março de 2011

a canoa tombava a toda hora e a cada hora uma das amigas desistia, até a hora em que ela ficou sozinha. na sua cabeça estava cercada por tubarões mas lá fora um pinguim nadava tranquilamente.

sentada num rochedo, observava as ondas investirem para o alto. depois delas, continuava olhando para o mar e as ondas.

na areia, reencontrou todos, mas um medo persistia. era uma charada.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

True Grit

houve uma perseguição inesquecível que empreendi na rua da minha casa. era noite e eu estava na cozinha quando vi nosso gato caminhando agilmente atrás de um rato pequeno. sem ter muito o que pensar, saí correndo para fora: os três, no meio da rua, devíamos formar uma imagem pitoresca: eu atrás do gato atrás do rato. até que ele o alcançou e começou com umas brincadeiras que me pareceram pertencer à profunda intimidade entre duas espécies tão imbricadas nos respectivos cursos evolutivos - como criança brincando com areia. deslocado, deve ter sido a primeira vez que me senti "segurando vela" - uma quina aparada de um triângulo. Ou talvez eu tenha desistido da insensata perseguição muito antes das brincadeiras que costumam coroar esse tipo de relacionamento e tenha voltado a me ocupar da comida um tanto simples que eu já começara a ensaiar com aquela idade.

Black Swan

agora, animal matável, mas quase imortal, era o urubu. distante, inalcançável e perigoso até para aviões. o fato de ser feio e fedido - embora nunca o tenha visto nem cheirado de muito perto até a bienal do ano passado - era relativizado pelo outro fato de estarem voando sempre muito alto, serenos, espiralando correntes de ar ou espreitando um moribundo.

mas na verdade não era disso que eu queria falar. ou era.

diante daquela lonjura, daquela tranquilidade inabalável, eu me sentia um monte de carne sangrenta queimando os pés nas pedras da piscina esverdeada; e temia quando chegasse a minha vez de ser o olho daquele tornado negro e suave: certeiro. mordiscariam meus olhos? eu pulava na água e me esquecia de tudo, desaparecendo sob o lodo e, de vez em quando, até cortava o pé num dos azulejos lascados do fundo invisível da piscina. saltava as sucessivas grades e ia choramingar num canto onde provavelmente poderia ser visto.

cansado de esperar, entrava no banho e curtia a pele enrugada olhando a permanência dos urubus pela janela do banheiro: ardia. depois, não há depois: continuo sem ter ideia de onde eu fora parar.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Winter's Bone

na minha cabeça de criança houve sempre uma diferença muito clara entre os bichos matáveis e os não matáveis - não coincidindo, claro, com os comestíveis e não comestíveis. pardais podiam ser exterminados, inclusive seus filhotes retirados do ninho, das maneiras mais cruéis - dando, vivos, de comida aos gatos, por exemplo. andorinhas, não, porque seus ovos eram vítimas dos pardais. pombas, como pragas, sempre mereceram a mira das armas que caíram nas minhas pequenas mãos: estilingues, revólveres de pressão e espingardas de chumbinho. beija-flores eram o sumo do que não se deveria molestar, mas gambás nós atacávamos com toda fúria: venenos e cachaças disfarçados em ovos e bananas, pauladas à vontade. isso durou bastante tempo mas depois, inexplicavelmente, os bichos começaram a sumir da minha vida - ou eu da deles. e de tal modo esse hiato se transformou em reset que já não vejo nem pardais, nem andorinhas, nem gambás. pombas, sim; mas quando vou procurar o estilingue no bolso de trás, ele já não está lá: é como se nunca estivera.

A notícia vivenciada

Os gritos agudos, ecoando pelos prédios, interromperam o trabalho - já atrasado - dos pedreiros. Imobilizado, o pequeno não tinha muito o que fazer. Seu companheiro hesitava entre fugir e pular no colo da senhora: amarrado, e vendo-a berrar, só lhe restava rezar para que a turba não investisse também contra ele. Passantes acudiram, desferiram paneladas e bicudas, mas nada pôde contra a morte: o pequeno llasa acabou seus dias como um frango desossado, rolado até a sarjeta para não atrapalhar o trânsito. Os boxers lamberam os beiços e voltaram para casa - deviam ter sede e alguma sensação muito profunda de dever cumprido. A dona do falecido desfalecia nos braços de dois condolentes. E, na esquina, os quase acidentes voltaram a distrair o trabalho atrasado dos pedreiros.


para assinantes Folha: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0402201115.htm
a tempo, para não assinantes: http://bit.ly/fM5EpY

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

1 2 3 4 5

"todas as coisas foram feitas por meio dela e sem ela nada se fez do que foi feito"

e deus
fez a luz
e a luz
ofuscou deus
e então
criou-se a palavra

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

31° do André

A expectativa era de que o apartamento estivesse cheio, com grupos de pessoas se reunindo e se separando - e a variedade de bebidas seguisse a mesma lógica. Todos, com exceção do aniversariante, seriam completamente desconhecidos. Tensão.
Mas, enfim, adentrando ao recinto, éramos 6, incluindo Salompas Cat - membro muito ativo, por sinal. A coisa toda muito à vontade, pequenos saboreios de cachaça, cerveja gelada e variados tira-gostos. Em certo momento até Strokes, This is it, o melhor deles. E as coisas que deveriam ser sempre assim: por que, afinal, não são? Mas isto é só um agradecimento nosso ao texto do André. Suerte, amigo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

tardes achocolatadas

“Mas nada se transformou, e agora está evidente que foi justamente com a minha aventura que joguei fora as probabilidades da transformação” I. Kertész

E eu que, me lembro bem, sentia um conforto (agora) (estranho) naquela casa com muros nas janelas e pisos frios quando, espremidos entre pães e margarinas e copos azuis, bebíamos toddy (®) (ele chegava a consumir uma caixa inteira nisso) e (ainda) acreditávamos no que falávamos. As tardes promissoras (de frio?) em que andávamos pelas ruelas (sempre) (estranhas) e imaginávamos projetos que (ainda) não sabíamos impossíveis, indo para lugares certos, seguros (e inconscientes) de que nossa idiotice era o máximo do que podíamos. Estávamos errados (claro) e porque (é claro) um idiota não pode ser o máximo de nada que não seja a própria idiotice (o que já é de um otimismo idiota). E se passamos o resto de nossas vidas tentando corrigir aquelas tardes significa que continuamos nelas, é a pergunta que eu nunca soube perguntar e ele nunca estaria pronto para responder. E se (agora) busco (e encontro) prazer em tomar um copo de toddy (®) numa tarde devoluta, perpetuo (desesperado) o eco de um som que (a rigor) nem (sequer) existiu (?).

Acabou.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

sua receita

minha letra não me diz nada

e as fontes inúmeras do computador

dizem tudo.


você esqueceu uma receita em casa

com uma caneta grossa escreveu um mundo:

é minha.


a receita que você deixou começava:

cenoura, farinha, leite condensado,

eu me perdia.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

como morrer em público

um pedreiro desabou no passeio

(a criança o carregou nos ombros por sete metros até o pronto socorro municipal)

debateu-se em frente à escola juvenil

assustando a vendedora de cachorro-quente

chamou-se a ambulância

era tarde

morreu às onze horas da manhã

constou no relatório do IML

quatro horas depois.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

sumidouro

rumo e norte
cadê você?
você está - não lá
sumimos
no sul
e ninguém mais.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

autópsia

você está viva, palavra

viva mas cansada

se não for logo ressuscitada

vai é morrer arruinada.

estou vivo
tire a mão daí
não corte meu umbigo
que eu ainda estou vivo.

não morri
meu coração não parou
use em outro o bisturi
que eu ainda não morri.

quero voltar para casa
me tirem desta mesa gelada
destapem logo meu nariz
meu deus, o que foi que eu fiz?

sábado, 9 de outubro de 2010

KLEE de novo

porque nunca é demais lembrar:

"First the cramped self, that self with big blinkers, then the disappearance of the blinkers and the self, now gradually the reemergence of a self without blinkers."

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

aos modernos

Chegou o momento de reavaliar a declaração outrora aterrorizante de John Ruskin, de que a arquitetura é a decoração da construção, mas devemos acrescentar a advertência de Pugin: está correto decorar a construção, mas jamais construa a decoração. (1972)

FIM

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

bilhete*

Estou muito envergonhada com essa situação. Nunca pensei que meu filho pudesse se juntar a essas pessoas. Sempre ajudei ele; agora é só tristeza e vergonha.

* não ficional

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

As cidades...

Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

a lhama que fuma

sábado, 21 de agosto de 2010

Adagio

Só porque agora resolvi escrever um post que estou escrevendo - um post (postagem fica muito Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e nestes tempos eleitorais é melhor evitar reminiscências do tema). Isso é inexorável, tanto quanto o seu pensamento, de início adagio, logo presto, prestissimo, de que isto tudo não passa de engambelação. E - suspiro - o que não é? Inclusive esta mania caetanística de ou nãos.
Às vezes me presto de apoio, mas não em semelhança a bengalas e corrimãos, mas sim a esteira emborrachada da escada rolante. Quero dizer - sim, uma merda, mas vamos andando que ficar é pior.
Mas tudo bem, já estamos cansados disto tudo. Estamos buscando o novo amanhã, não é mesmo? Só assim teremos nosso rosto devidamente outdoorizado. E às vezes somos muito dos outros, ou do outro. Que felicidade!
E as mensagens de sri-sri são sempre tão macias, aveludadas como o córrego do Rio Manso que:


Mas, meu amigo, - o que posso dizer? - você precisa de ajuda - é o que dizem - mas você está certo, certíssimo, mais certo só atando o nó final que te jogará no nunca do nada; mas aí não poderemos mais sentar ao sol (esse sol filho-da-puta), respirar fundo e tentar se convencer de que, nossa!, tudo existe: o gramado plantado, o lago represado, o ar poluído, e mesmo assim, e por isso mesmo, sentirmos um traço pequeno de força na nossa powerbar.
E lembrarmos das nossas tardes em que consoles e telas viravam roupa negra e armas construídas, missões inventadas; em que calois viravam cometas; em que meia dúzia de árvores viravam uma floresta num vale mágico.
Meu amigo - você deveria me conhecer -, falo pelo avesso. Este post é para você, mas você nunca vai saber da existência disto e assim - confesso - multiplicarei essa culpa que te esmaga, que te cega, que te chacoalha até te esgotar qualquer capacidade de raciocínio e entrega. E nada te dirá respeito, a não ser o fato - de novo - inexorável da inexistência.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Norte

Um continho (ou um trecho de um conto) do André que, para mim, é um poema.

"RUMO AO NORTE

O patrão mandou avisar seis dias atrás: mais duas semanas e só. A garçonete cogitou procurar outras coisas, inencontráveis. Velho jogo de fazer continhas: trinta e oito anos, superior interminado, nenhum saco para o que quer que seja. Daí que avisou ao já quase ex-patrão:
- Vou me mandar.
- Pra onde?
- Norte.
- Tem parentes lá?
- Não.
- Então vai fazer o que lá?
- Não sei.
- Por que não dá um tempo aqui? Te arrumo outra coisa.
- Não quero outra coisa. Só quero dar o fora.
Nenhuma explicação razoável à mão, mas ele tampouco insistiu. Ninguém veramente interessado em ninguém. Pessoas perguntando e respondendo sem dar a mínima para o que perguntam e respondem. Vozes se esborrachando gratuitas em tudo que é lado.
Poeira e fantasmas."

Em "Paz na terra entre os monstros".

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pensamentos modernos



"Isto dá um post"

Em "A vida televisionada"

sexta-feira, 11 de junho de 2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Outdoor

Me entenda, eu não sou cego; só não enxergo como você deve imaginar. Os olhos não me são úteis nessa tarefa embora funcionem normalmente. Vejo, mas isso é o de menos. Para mim, imagens são imagens assim como um X-burguer é um X-burguer. Na verdade, não preciso enxergar porque todos já o fizeram por mim e fazem questão de compartilhar suas imagens por todos os meios possíveis, embora uns sejam mais convincentes que outros - e é mais ou menos nisso que me fio. Tampouco tenho valores, que esse esforço me dispensei. Criá-los importariam escolhas que não me parecem necessárias. Prontos, estão aí aos montes, infinitos. Da minha parte só tenho que costurá-los de uma forma equilibradamente aceitável - o que por si já dá esforço suficiente até o fim da vida. De modo que certo ou errado é uma questão contingente, pouco ou nada relativa a valores universais; belo ou feio, então, é o sumo da inutilidade no emprego do pensamento e das emoções: se aí está a coisa, para quê mais? Ou razões inexplicáveis seriam mais confiáveis que este meu raciocínio simples de entrega e aceitação? Se você me diz que este quadro é feio, eu não discuto; mas cá em mim, é colocação bem mesquinha a sua. Estando o óleo pincelado, a tela enquadrada, que importa a todos, a tudo, sua opinião? ao quadro, nem que você cuspa involuntariamente enquanto esbraveja contra sua composição, não importa - se exagerarmos imaginação, ele te achará no máximo um cuspidor; limpará o rosto e seguirá postado para alguma eternidade. Agora, se estamos falando de evolução, minha posição será preferencialmente positiva, embora nem sempre bem sucedida. Não importa muito: limpo minha cara e sigo. Se me exijo combate duro contra a preguiça, não deixo de cochilar para ver se é assim mesmo - e assim engano a mim e a preguiça, porque é sempre melhor enganar antes de ser enganado. Se me exijo razões, invento algo que me convença tanto quanto um achocolatado instantâneo; sorvo, lambo o resto e coloco a louça para lavar: reset na veia. Autêntico? faço questão de não ser na medida em que isso o seja. Siga você enxergando, louvando seus óculos, a luz do dia, as flores e me deixe apreciando esse outdoor.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

sexta-feira, 16 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

quarta-feira, 31 de março de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

PAUL KLEE

"First the cramped self, that self with big blinkers, then the disappearance of the blinkers and the self, now gradually the reemergence of a self without blinkers."

sábado, 27 de março de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

o cárter

retrógado
proteger-se
drogavenéreos
melhor
saber-se
gado
que forafoda
sábado
é só balançar-se
lá na morada
daquelalgumas
sem esforços
e máscaras
acompanhante
gratuito
da solidão
escravo
de força maior
dorme
dorme
mansoelento
a máquina
te recruta
quemsabe
na próxima emergência

anhumas, 14.02.2007

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

aconteceu

outro dia
encharcado
empuleirado num ponto de ônibus
(um deck de um rio urbano)
defronte para confortáveis mansões
do villagio di venetto
uma senhora perdeu seu par de sapatos novos
(a sacola rasgou)
(seguiu com a água até, não sei, o tietê?)
e eu imaginando novos itens design
para são paulo das chuvas:
um skate-wakeboard
um vestido inflável
e outras coisas que eu já esqueci
porque isso foi outro dia

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

citação

afinal, o percurso da evolução é processo de subtração e, não, adição

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

"cuidado ?!!"

Coqueiro Campo, Turmalina/Minas Novas, MG, 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

fragmentos

"
Que deveria fazer um diminuto ser humano para fundir-se harmoniosamente na natureza que o continha, para respirar em sincronia com o universo?
"

Musashi, Eiji Yoshikawa

eita marzão de brasíllia!

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